A temporalidade é o original fora de si. O que isso significa? Dissemos que a análise de Heidegger sobre a temporalidade do ser-no-mundo tenta chegar à raiz da presença ou da com-ciência (awareness). Aqui estamos arranhando os limites tênues, mas tenazes, da linguagem. A análise de Heidegger quase se resume a uma questão de “preposições”, ao Entre das coisas.
Essa ideia de Entre é um leitmotiv básico de todo o pensamento de Heidegger. Ela já pode ser encontrada em Ser e Tempo.
Mas, nesse caso, o que mais é apresentado com esse fenômeno do que o commercium objetivamente presente entre um sujeito objetivamente presente e um objeto objetivamente presente? Essa interpretação se aproximaria mais do conteúdo fenomenal se dissesse: Da-sein é o ser desse ‘Entre’.
As duas principais preposições que Heidegger torna temáticas para a compreensão desse Entre são “fora” e “dentro”, estando fora de si mesmo (Aussersichstehen, ek-stasis, ek-sistence) e estando dentro (Inständigkeit, Austrag, per-durance). Novamente nos deparamos com a dificuldade quase intransponível já apontada por Bergson. Nossa consciência, por natureza, “espacializa” as coisas. Não podemos imaginar ou figurar nada que não esteja objetivado no espaço. Portanto, não é suficiente imaginar esse Entre como, por exemplo, o espaço “vazio” entre as paredes de um abismo ou o espaço “vazio” entre mim e a porta. Também não é suficiente imaginar o “dentro” como a contenção espacial de um lápis na gaveta ou do objeto no cômodo. Tampouco é suficiente imaginar o “fora” — já mais difícil de imaginar — como sair pela porta, como fora de casa. Pedem-nos, por assim dizer, que “executemos” ou realizemos os movimentos de saída e entrada dentro e como a estrutura de nossa própria consciência. A única analogia, talvez não muito boa, que consigo pensar seria a do “meditador”, ou como queiram chamá-lo, que “percebe” o surgimento e o desaparecimento de seus pensamentos, juntamente com o que quer que seja nele que permite que esses pensamentos surjam e desapareçam, o que, por sua vez, não surge nem desaparece de forma alguma. Nosso meditador não está se “concentrando” nos pensamentos em si, nem mesmo nas condições de possibilidade do pensamento em geral (Kant), mas no surgimento e no desaparecimento, juntamente com o pano de fundo desse surgimento e desaparecimento. O surgimento e o desaparecimento podem ser comparados ao “fora”, o ir para fora de si mesmo, e o “dentro” pode ser comparado ao “fundo”, o manter-se junto do surgimento e do desaparecimento enquanto se mantém fora (aushalten), durante o Entre o surgimento e o desaparecimento e o “Fundo”. Nossa “lógica” já está quebrada aqui, pois logicamente o Fundo não pode ser tanto um lado do Entre como também toda a relação do Fundo com o surgimento e o desaparecimento. Mas não importa. A linguagem, ainda mais a lógica, pode ser desajeitada. É preciso “fazer” essa relação, não apenas tentar descrevê-la de uma maneira aceitável para o nosso pensamento “lógico” habitual.
(STAMBAUGH, Joan. The Real is not the rational. Albany: State university of New York Press, 1986)