Além do fato que mencionamos anteriormente de que Heidegger concebe o homem como ser-no-mundo, como um ser sempre em um mundo e nunca sem ele, devemos ter sempre em mente sua afirmação sempre presente de que não sabemos o que ou quem é o homem. Assim, dizer que uma análise da “consciência” (consciousness) nos leva à subjetividade ou, para Heidegger, ao psicologismo, é simplesmente ignorar toda a questão do que está acontecendo nessa consciência, sem falar na questão de a quem ela pertence. Parece que tomamos os termos subjetivo e psicológico como certos; todos nós sabemos o que eles significam. Mas isso é perder a experiência profundamente estranha de estar consciente (be aware). O que estou tentando dizer aqui é extremamente difícil de expressar porque estamos muito próximos dessa com-ciência (awareness); na verdade, nós somos ela. Provavelmente é por isso que Heidegger opta por discutir uma experiência relativamente incomum como a angústia, já que na angústia não há exatamente nenhum objeto no qual se fixar; de repente nos tornamos com-cientes (aware) da estranheza de nossa própria consciência (consciousness). A estranheza e também o deslumbre dessa experiência podem nos levar a reformular a pergunta: “Por que existe alguma coisa em vez de nada?” enquanto: Como posso experimentar qualquer coisa em vez de nada? O que equivale à pergunta: Como é que eu estou (no mundo)? Damos uma olhada nas coisas ao nosso redor, mesas, cadeiras, livros, etc.; elas não estão conscientes (aware). Como diz Heidegger, a cadeira não pode tocar a parede, mesmo que esteja encostada nela, da mesma forma que eu posso tocá-la. Olhamos para as árvores, plantas, flores, etc.; elas também não estão conscientes, embora possam ser tocadas. Elas também não estão conscientes, embora estejam vivas, sejam sencientes ou sensíveis até certo ponto. Olhamos para os animais, mas já não estamos apenas olhando para eles, estamos interagindo com eles. Eles estão conscientes, mas de uma forma muitas vezes inescrutável para nós, porque não podem “mediar” sua experiência para nós por meio da linguagem. Quem nunca olhou para um gato, sentado, quieto e imóvel, como se estivesse pensando no pensamento mais profundo que, obviamente, não está. O que está acontecendo na cabeça desse gato? Nós não sabemos.
E então olhamos para o homem, que está ciente e que muitas vezes medeia demais o que está acontecendo em sua cabeça. Deixando de lado a facciosidade, no momento em que saímos do domínio do comportamento humano cotidiano e superficial, o que raramente acontece, ficamos cara a cara com um mistério. Isso pode acontecer na angústia ou em outros estados de espírito que abalam as raízes, ao olharmos para uma pintura, ouvirmos um poema ou música, em raros encontros com nossos semelhantes. Veremos que, para Heidegger, são principalmente os estados de espírito, não as faculdades não racionais e certamente não as irracionais, que nos levam a esse mistério e nos permitem experimentar “coisas” que não são coisas de fato. Como diz Heidegger: “O irracionalismo, como contraparte do racionalismo, fala sobre as coisas para as quais o racionalismo é cego, apenas com um olhar de esguelha”.