Sloterdijk (2016:73-76) – teoria das esferas

A presente prestação de contas da ascensão e mudança de forma das esferas é, tanto quanto sabemos, a primeira tentativa, após o fracasso da chamada morfologia da história do mundo de Oswald Spengler, de atribuir novamente a um conceito formal uma posição do mais alto escalão em um estudo de antropologia e teoria da cultura. As pretensões morfológicas de Spengler, mesmo buscando o patrocínio de Goethe, estavam condenadas ao malogro, porque traziam para seus objetos um conceito de forma com o qual era impossível fazer justiça a seu caráter próprio e sua história. Já foi um golpe de força genial isolar as culturas em seu conjunto como “seres vivos do mais alto nível” e explicá-las como unidades sem janelas que surgem e desaparecem inteiramente segundo leis imanentes; mas, acima de tudo, não foi possível proceder desta forma sem forçar as coisas, como quando Spengler quis interpretar cada uma das culturas como reinados de mil anos de um estado de alma regional — de certo modo, como bolhas de sabão da ordem mais elevada, cuja forma se mantém em virtude de tensões internas de natureza oculta. As descrições vitais das oito culturas que ele reconhece e apresenta morfologicamente podem assumir um lugar de honra na história das filosofias da civilização, como um monumento de grande, talvez incomparável energia especulativa e combinatória, mas seria melhor acomodar esse monumento em um nicho mais calmo. Quanto ao uso dos conceitos morfológicos nas ciências da cultura, os efeitos decorrentes do exemplo de Spengler foram até agora desencorajadores. Nossa própria tentativa, portanto, não pode ser demasiado devedora desse modelo — exceto como um instrutivo ensinamento sobre o que se deve evitar no futuro.

Quando se fala aqui de esferas como formas que se realizam a si próprias, é com a convicção de não utilizar conceitos convencionais, ou, se eles o forem, de um certo ponto de vista, utilizá-los de uma (73) maneira que estimule um confronto com as próprias coisas. A teoria das esferas significa abrir para si o acesso a alguma coisa que, embora seja o que há de mais real, é também a mais evasiva e menos objetivamente apreensível. Mas esta própria maneira de falar em abertura de um acesso já conduz a um erro, porque a descoberta do esférico é uma questão não tanto de acessibilidade, mas de desaceleração na visão conjunta do que há de mais óbvio. Estamos sempre, e desde o início, envolvidos de maneira extática nas relações esféricas, mesmo quando, por motivos profundos e específicos a nossas culturas, aprendemos a abstraí-las, a passar ao largo delas no pensamento e a contorná-las nas discussões. A cultura científica europeia, por sua orientação à objetividade, é, tanto na abordagem como no resultado, uma atividade voltada para encobrir o êxtase esférico. A inferioridade animada, cuja presença tentaremos provar em todas as situações fundamentais da cultura e da existência humanas, é, de fato, um realissimum que escapa de imediato a toda representação verbal e geométrica — de fato, a toda e qualquer representação —, e que, contudo, força algo como as formações originais de círculos e esferas em todos os lugares da existência, graças a um potencial de arredondamento que precede, em sua atuação, todas as construções formais e técnicas de círculos.

Os mundos compartilhados por pessoas que realmente vivem em conjunto possuem, por si mesmos, a dinâmica formal de arredondamentos que se constituem por sua própria obstinação, sem a colaboração dos (74) geômetras. Da auto-organização dos espaços psicocósmicos e políticos brotam essas metamorfoses do círculo, nas quais a existência se outorga sua constituição esferoatmosférica. A palavra “auto-organização” (que aqui é empregada sem a habitual histeria cientificista) deve fazer notar que o círculo protetor dos seres humanos não é nem meramente fabricado, nem meramente descoberto, mas se arredonda espontaneamente no umbral entre construção e realização de si; melhor dito, ele se realiza nos fenômenos de arredondamento, assim como aqueles reunidos em torno de uma lareira se agrupam de forma livre e determinada em (75) torno do fogo e de suas vantagens térmicas imediatas.1 Por isso, a análise esferológica que se inicia com este primeiro volume, partindo das microformas, não é nem apenas uma projeção construtivista de espaços arredondados, nos quais os homens imaginam para si uma existência comum, nem apenas uma meditação ontológica sobre o círculo no qual os mortais seriam encerrados por força de uma ordem transcendente e incontrolável.

Como introdução a uma poética central da existência, a esferologia decalcará inicialmente apenas as constituições formais das imanências simples que emergem nas organizações humanas (e extra-humanas) — seja como organizações de intimidade arcaica, seja como design espacial de povos primitivos, seja como autointerpretação teológica e cosmológica dos impérios tradicionais. Assim, à primeira vista, o que se segue, sobretudo em sua segunda parte, poderia aparecer também como uma história da cultura, transfigurada com ajuda de conceitos derivados da morfologia, da imunologia e da teoria da transferência — uma concepção que, mesmo sem conduzir ainda ao essencial, não seria nem completamente falsa, nem completamente inoportuna, supondo-se que se esteja pronto a admitir que só com a filosofia a inteligência pode aprender como suas paixões chegam a tornar-se conceitos.

  1. Sobre a esferopoiese pela lareira e a figura de pensamento do “socialismo térmico”, cf. Esferas II, Cap. 2: “Lembranças de recipientes. Sobre o fundamento da solidariedade na forma inclusiva”.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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