Sloterdijk (2016:44-47) – ser-no-mundo / ser-em-esferas

O que no discurso dos filósofos recentes se denominou o ser-no-mundo significa, para a existência humana, em primeiro lugar e sobretudo, ser-em-esferas. Se os homens são-aí, então existem de início em espaços que se abriram para eles porque, ao habitá-los, lhes deram forma, conteúdo, extensão e duração relativa. Mas como as esferas constituem o produto original da coexistência humana — algo (44) que nenhuma teoria do trabalho jamais levou em conta —, esses lugares atmosférico-simbólicos dos homens dependem de sua contínua renovação; esferas são instalações climáticas em cuja construção e operação não se colocam, para os que realmente vivem em comum, a possibilidade de deixar de colaborar. A climatização simbólica do espaço comum é a produção original de cada sociedade. De fato, os homens fazem seu próprio clima, mas não o fazem se valendo de peças soltas, e sim sob condições previamente encontradas, dadas e transmitidas.1

As esferas são permanentemente afligidas por sua inevitável instabilidade; elas compartilham com a felicidade e o cristal os riscos inerentes a tudo que se quebra com facilidade. Não seriam construções da geometria vital se não pudessem implodir, e, menos ainda, se não fossem também capazes, sob a pressão do crescimento do grupo, de estender-se em estruturas mais complexas. Onde ocorre a implosão, o espaço comum enquanto tal é abolido. O que Heidegger denominou o ser-para-a-morte significa não tanto a longa caminhada dos indivíduos rumo a uma derradeira solidão antecipada com pânico, mas antes a circunstância de que todos eles irão, em algum momento, abandonar o espaço no qual estiveram aliados a outros indivíduos em uma relação real e forte. Por isso a morte, no fim das contas, diz mais respeito aos sobreviventes que aos que partiram.2 Por isso a morte humana tem sempre duas faces: uma que deixa atrás de si um corpo rígido, e outra que mostra os restos de esferas — aqueles que são erguidos e revividos em um espaço superior, e aqueles que ficam pelo chão, como dejetos (46) materiais caídos para fora do antigo espaço de animação. O que se denomina o fim de um mundo significa estruturalmente a morte de uma esfera. O exemplo crítico disso, em pequena escala, é a separação dos amantes, a casa vazia, a foto rasgada; sua forma mais abrangente aparece como morte cultural; a cidade calcinada, a língua extinta. A experiência humana e histórica testemunha, entretanto, que as esferas podem ainda subsistir mesmo após a separação pela morte, e que o que foi perdido consegue permanecer presente nas memórias como monumento, fantasma, missão, saber. É só por isso que nem toda separação de amantes deve resultar em um fim de mundo, e nem toda transformação da linguagem, em um naufrágio da cultura.3 [SLOTERDIJK, Peter. Esferas I. Bolhas. Tr. José Oscar de Almeida Marques. Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2016]

  1. Cf. Esferas II, Digressão 2: “Merdocracia: do paradoxo imunitário das culturas sedentárias”.[↩]
  2. Cf. Thomas Macho, Todesmetaphern. Zur Logik der Grenzerfahrung (Metáforas da morte. Sobre a lógica da experiência limite), Frankfurt, Suhrkamp 1987, p. 195-200 e 408-426. “Não temos nenhuma experiência da morte, embora tenhamos certamente experiência dos mortos. Na experiência dos mortos, a morte não se revela para nós; experimentamos apenas a resistência que os mortos, pela sua pura presença, nos opõem” (p. 195). Analogamente, Emmanuel Lévinas escreve: “Não é meu próprio não existir que é angustiante, mas o do ser amado… O que, com uma expressão algo falsificada, se denomina amor é antes de tudo o fato de que a morte do outro me afeta mais do que a minha própria.” In: Dieu, la mort et le temps, Paris, Grasset, 1991, p. 121. [Ed. port.: Deus, a morte e o tempo, Lisboa, Ed. 70, 2012.] [↩]
  3. Para uma teoria esferológica do luto, cf. Esferas II, Cap. 1: “Ascensão do distante-próximo. O espaço tanatológico, a paranoia, a paz imperial”.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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