Schürmann (2021:13-14) – Marx e marxismo

O título que escolhi para este curso é, obviamente, inspirado em Althusser (Reading Capital) — mas de forma polêmica. Por “Lendo Marx”, quero dizer: lendo Karl Marx e não Engels, Mao, Gramsci, Lukάcs, Marcuse, Althusser et al. Em outras palavras: o objetivo do curso é, antes de tudo, desvincular deliberadamente o pensamento de Marx do pensamento marxista. Uma polêmica implícita com alguns marxistas será realizada nos bastidores, ou seja, por meio de sugestões ocasionais.

Esse programa traz três implicações principais: a) que há de fato uma diferença de pensamento entre Marx e o marxismo. Esse primeiro ponto será estabelecido por meio de uma leitura filosófica de Marx: o pressuposto é que o que há de mais original em Marx não é nem seu pensamento político, nem seu pensamento sociológico ou econômico, mas seu eixo filosófico. Esse eixo filosófico determina e localiza suas outras teorias. b) A segunda implicação na separação entre Marx e marxismo é que o marxismo como tal existe, pode ser caracterizado por características gerais e que essas características gerais diferem do pensamento original de Marx ou o restringem 1. Essa é uma questão muito complexa e complicada, mas deixe-me resumir essa divisão dizendo que o marxismo reteve de Marx principalmente os elementos que servem à ação política em uma determinada situação urgente. Assim, uma teoria da “prática revolucionária” tomou o lugar da filosofia. c) A terceira implicação diz respeito à pré-compreensão na abordagem dos textos. Um texto é algo impresso: como tal, está fechado, constituído, acabado. Mas só obteremos respostas decisivas dele se levantarmos questões decisivas. A questão decisiva levantada pelos marxistas é a urgência de uma situação revolucionária (existente de fato ou a ser criada). Assim, a pergunta deles é geralmente semelhante à pergunta de Lênin “O que deve ser feito? É a pergunta daqueles que Althusser chama de “intelectuais militantes” que participam diretamente da luta da classe trabalhadora. Essa “leitura” de Marx é estratégica. Digo que a leitura estratégica permanece, por sua própria natureza, cega para a questão filosófica. Assim, nossa pré-compreensão dos textos de Marx não é estratégica, mas sim que produzem uma resposta para a pergunta mais antiga da filosofia ocidental: ti to on; ou, O que é o ser?, O que é a realidade? e o corolário: O que é a verdade?

Portanto: Marx versus marxismo: o conceito de “práxis” como o conceito diferencial entre Marx e o marxismo; uma teoria dupla de textos. Vou desenvolver um pouco mais esses três pontos.

[SCHÜRMANN, Reiner. Reading Marx: on transcendental materialism lecture notes for courses at the New School for Social Research (fall 1977). Zurich: Diaphanes, 2021]
  1. (H I, 9/1): Michel Henry, Marx, vol. 1, Une philosophie de la réalité. Paris: Gallimard, 1976.[]