Schürmann (1996/2003:14) – Meu ato, o “eu-penso”

Não foi o Iluminismo que finalmente descobriu o referente infrangível? Os antigos se deixavam mistificar pelos deuses ou por Deus. De Parmênides a Proclus, o politeísmo grego é apanhado na busca de um fundamento dentro dos limites da simples razão, assim como o monoteísmo cristão o é de Agostinho a Lutero. A modernidade vem para conceder a razão, para dar autonomia ao homem, para emancipar as pessoas…. O sujeito racional, prescrevendo espontaneamente suas leis à natureza, assim como ela prescreve a si mesma — agora temos o agente legislador que tem sucesso onde as crenças apenas falharam, ou seja, ao centralizar o conjunto de fenômenos em um ponto focal simples, como uma intuição. Meu ato, o “eu-penso”, é originário porque não me remete a nenhum outro referente além de mim mesmo; ele é fundamental sem ser um ser; e como um ato puro poderia ser quebrável, errático, trágico? Como poderia impor qualquer tipo de duplo vínculo? Com esse ato, não temos em mãos a fonte suprema da fenomenalidade, ou seja, um processo formal que não é nada se não uma presença para mim, se não uma consciência de meu próprio pensamento?

O olhar que lanço sobre mim mesmo não apenas acompanha (con-) tudo o que pode ser dado ao meu conhecimento (-scientia), mas, acima de tudo, o constitui. A era moderna é dotada de uma liberdade que até então permanecia fora do mundo. Não há experiências a menos que, dentro de minha consciência originária, eu prescreva a elas as formas segundo as quais elas devem ser dadas a mim. É um olhar que é exclusivamente meu e universalmente eficaz porque originariamente livre. Não é a simples vinculação normativa que os filósofos foram encarregados de assegurar que seja assim trazida à tona? Ainda mais, por meio do regime de representação universal, não me tornei, como disse Kant, “possuidor do mundo”?1 [SCHÜRMANN, R. Broken hegemonies. Reginald Lilly. Bloomington: Indiana University Press, 2003]

  1. “Ich, der Inhaber der Welt,” Opus postumum, AA vol. XXI, p. 45,1. 25. The Cartesian project of a dominion (through the sciences, we are able to make ourselves “as the masters and possessors of nature”) is enlarged into the constitution of the world.[]