Mas Husserl não é justamente famoso por ir além do conceito de um eu atemporal? Na subjetividade, ele faz distinção entre o substrato e a mônada. O eu é o “substrato idêntico de propriedades duradouras” [Cartesianische Meditationen, op. cit. p. 101], o substrato de posses habituais, de modalidades adquiridas de consciência. Assim, o mundo dos objetos, determinado de maneiras variáveis, é enriquecido pela experiência. O eu ao qual todo novo objeto deve se referir é a mônada. E, de fato, a mônada tem um passado e um futuro. O substrato, por outro lado, sem ser um ente, não muda. Ele está isolado das relações com o mundo e com os outros. O que permanece inalterado é o eu como o polo idêntico de experiências autodoadoras. Do ponto de vista temporal — e este é o único que importa aqui — o substrato é assimilado ao mundo dos fatos. [79] É o polo subjetivo e abstrato do mundo, mas não é o ser-no-mundo. Ele está constantemente presente, assim como os objetos. Uma limitação fatal dos modos temporais a um único, a presença constante. Isso é fatal para a compreensão do “mundo”. A presença constante condena o ser-no-mundo como se condena uma janela. Assim, Heidegger chega a suspeitar que a autodoação dos objetos é uma ilusão. A partir do ser-no-mundo e da temporalidade extática, ele pode dizer que a doação do eu é uma “sedução”, um “engano” [SZ 115/ET 146]. O ponto de partida heideggeriano corta a própria possibilidade de fixar o sujeito na subsistência e o tempo na permanência. O continuum temporal deve entrar em colapso quando, “pela primeira vez na história da filosofia, o ser-no-mundo aparece como o modo primordial de encontro com o ser” [GA7:VS 110/Q IV 309f].