Essa tentativa “existencialista” de colocar a objetividade, a racionalidade e a inquirição normal dentro do panorama mais amplo de nossa necessidade de sermos educados e edificados é com frequência oposta pela tentativa “positivista” de distinguir o aprender fatos do adquirir valores. Do ponto de vista positivista, a exposição de Gadamer do wirkungsgeschichtliches Bewusstsein pode parecer pouco mais que a reiteração do lugar-comum de que mesmo quando conhecemos todas as descrições objetivamente verdadeiras de nós mesmos, ainda podemos não saber o que fazer com nós mesmos. A partir desse ponto de vista, Truth and Method (e os capítulos vi e vii acima) são apenas dramatizações infladas do fato de que a inteira submissão a todas as exigências de justificação oferecidas pela inquirição normal ainda nos deixaria livres para extrair nossa própria moralidade das asserções assim justificadas. Mas a partir dos pontos de vista de Gadamer, Heidegger e Sartre, o problema com a distinção fato-valor é que esta é planejada precisamente para borrar o fato de que descrições alternativas são possíveis em adição àquelas oferecidas pelos resultados tias inquirições normais.1 Isso sugere que uma vez que “todos os fatos estão dentro” nada permanece, exceto a adoção “não-cognitiva” de uma atitude — uma escolha que não é racionalmente discutível. Isso disfarça o fato de que usar um conjunto de sentenças verdadeiras para descrever a nós mesmos já é escolher uma atitude em relação a nós mesmos, enquanto que usar outro conjunto de sentenças verdadeiras é adotar uma atitude contrária. A distinção positivista entre fatos e valores, crenças e atitudes apenas pode parecer plausível se supusermos que existe um vocabulário livre de valores que torna comensuráveis esses conjuntos de colocações “factuais”. Mas, de um ponto de vista educacional, é desastrosa a ficção filosófica de que tal vocabulário está na ponta de nossas línguas. Ela nos força a fingir que podemos nos cindir em conhecedores de sentenças verdadeiras, por um lado, e, por outro, escolhedores de vidas, ou ações, ou obras de arte. Essas diretivas artificiais tornam impossível colocar em foco a noção de edificação. Ou, mais exatamente, tentam-nos a pensar na edificação como nada tendo a ver com as faculdades racionais que são empregadas no discurso normal.
Assim, o esforço de Gadamer para livrar-se da imagem clássica do homem-como-essencialmente-conhecedor-de-essências é, entre outras coisas, um esforço para livrar-se da distinção entre fato e valor e, portanto, para deixar-nos pensar em “descobrir os fatos” como um projeto de edificação entre outros. É por isso que Gadamer dedica tanto tempo para desmontar as distinções que Kant traçou entre cognição, moralidade e julgamento estético.2 Não há nenhum modo, até onde posso ver, pelo qual argumentar sobre a questão de manter no lugar a “grade” kantiana ou colocá-la de lado. Não há qualquer discurso filosófico “normal” que proporcione terreno comum de comensuração para aqueles que veem a ciência e a edificação como, respectivamente, “racional” e “irracional”, e aqueles que veem a busca de objetividade como uma possibilidade entre outras a serem levadas em conta no wirkungsgeschichtliches Bewusstsein. Se não existe tal terreno comum, tudo o que podemos fazer é mostrar como parece o outro lado a partir de nosso ponto de vista. Isto é, tudo o que podemos fazer é ser hermenêuticos em relação à oposição — tentar mostrar como as coisas estranhas, paradoxais ou ofensivas que eles dizem juntam-se ao resto que desejam dizer, e como fica o que dizem quando transposto para o nosso próprio idioma alternativo. Essa hermenêutica com intenção polêmica é comum às tentativas de Heidegger e Derrida de desconstruir a tradição.
- Ver a discussão de “valores” de Heidegger em Being and Time, p. 133, e a de Sartre em Being and Nothingness, pte. dois, cap. 1, scç. 4. Comparar comentários de Gadamer sobre Weber (Truth and Mcthod, pp. 461 ss.).[
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- Ver a polêmica de Gadamer contra “a subjetivação do estético”, na Terceira Crítica de Kant (Truth and Method, p. 87) e comparar os comentários de Heidegger em “Letter on Humanism” sobre as distinções de Aristóteles entre física, lógica e ética (Heidegger, Basic Writings, ed. Krell [Nova York, 1976], p. 232).[
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