Rorty (1999) – Kundera e Heidegger

(Rorty1999)

Podemos, se quisermos, ver Kundera e Heidegger como tentando vencer um inimigo comum: a tradição da metafísica ocidental, a tradição que alude a Uma Verdadeira Descrição que demonstra o padrão subjacente por detrás da aparente diversidade. Mas há uma grande diferença entre o que cada um propõe como alternativa a esta tradição. Para Heidegger, o oposto da metafísica é a Abertura ao Ser, algo mais facilmente atingível numa comunidade camponesa pré-tecnológica com costumes inalteráveis. A utopia de Heidegger é pastoral, um vale nas montanhas escassamente povoado, um vale no qual se dá forma à vida através das suas relações com os quatro primordiais — terra, céu, homem e deuses. A utopia de Kundera é carnavalesca, dickensiana, uma multidão de excêntricos deliciando-se com as idiossincrasias uns dos outros, curiosos de novidades em vez de nostálgicos de primordialidade. Quanto maior, mais variada e mais tumultuosa for a multidão, melhor. Para Heidegger, a maneira de vencer a ânsia de domínio é dar um passo atrás e ver o Ocidente e a sua história de jogos de poder de longe, tal como o sábio hindu vê a Roda da Vida de longe. Para Kundera, a maneira de vencer a ânsia de domínio é compreender que toda gente tem e terá sempre esta ânsia, mas insistir que ninguém é mais ou menos justificado de tê-la que qualquer outro. Ninguém toma o partido da verdade, ou do Ser, ou do Pensamento. Ninguém toma o partido de algo Outro ou Maior. Apenas tomamos o partido de nós próprios, habitantes iguais de um paraíso de indivíduos no qual todos têm o direito de ser entendidos mas ninguém tem o direito de mandar.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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