(…) O que é obliterado por essa “crença fundamental”, que é a crença metafísica por excelência em um “mundo por trás” povoado por substratos e entidades imaginárias, é o “há” do evento, como distinto da entidade do que é: o evento surge, sem mais, a partir de si mesmo, de tal forma que não podemos distinguir aqui o “brilho” (o evento) daquilo que brilha (o substrato ôntico, o agente da ação, a causa do efeito), de acordo com a gramática implícita da metafísica, mas que aquilo que brilha, o relâmpago, é aqui precisamente nada além do próprio “brilho”. Somente a “influência sedutora da linguagem” (Nietzsche) pode nos fazer pensar no evento, atestado pelo verbo, como condicionado por um substrato ôntico, expresso pelo sujeito. O que o glamour da gramática e, ainda mais originalmente, a análise lógica da proposição, conforme formulada por Aristóteles em sua silogística, obliteram são as características fenomênicas do próprio evento.
(ROMANO, Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999)