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Heidegger muitas vezes foi censurado por sua alegada negligência de questões práticas, especificamente sua “incapacidade” de propor ou articular uma ética ou uma política. As razões apresentadas para apoiar tal afirmação variam. Eles incluem, por exemplo, seu suposto privilégio de “o Mesmo” em oposição a um pensamento autêntico de “o Outro”; seu “desprezo” por assuntos ônticos ou concretos devido a algum essencialismo platônico; sua “rejeição” da dimensão intersubjetiva ou coletiva da experiência humana; e por último, mas não menos importante, sua relação problemática com o nazismo. Outros argumentaram que o pensamento de Heidegger sobre o ser sofre de um certo teoreticismo. Quaisquer que sejam as razões apresentadas, o pensamento de Heidegger sobre o Ser, concluiu-se, não pode contribuir para a ética ou a política, ou para a filosofia prática amplamente concebida como um domínio de ação e existência coletiva.
Esta acusação, no entanto, pode, em última análise, repousar sobre um mal-entendido radical: busca-se encontrar em sua obra uma problemática clássica, não a encontra, e conclui disto que Heidegger ignorou a dimensão prática da existência. Por exemplo, onde Heidegger discorda de concepções tradicionais de ética, ou onde ele realmente rejeita a ética como uma disciplina na tradição metafísica, conclui-se que seu pensamento é anético, senão não-ético. Na verdade, porém, sua “rejeição” da tradição da ética é feita em nome de um repensar de uma ética mais “originária” que ele tenta perseguir. É por isso que, em contraste com estas interpretações tradicionais, este livro, Heidegger e a Filosofia Prática, investigará até que ponto o pensamento de Heidegger pode ser lido como um recurso importante e, na verdade, crucial para a filosofia prática e para a possível articulação de um ethos para o nosso tempo. Pois a questão, como nos lembra Françoise Dastur, não é enquadrar o pensamento de Heidegger sobre o outro, por exemplo, em esquemas preestabelecidos, mas sim abordar e questionar seu pensamento “no que diz respeito à maneira como (ele) encontrou e colocou a questão do outro.”1 O objetivo de Heidegger e da Filosofia Prática é demonstrar que Heidegger não negligenciou a dimensão prática da existência, mas, em vez disso, transformou radicalmente a maneira como ela deve ser pensada.
Original
(RAFFOUL, François & PETTIGREW, David (ed.). Heidegger and Practical Philosophy. New York: SUNY, 2002, p. xiii)
- Francoise Dastur, “Le Temps et l’autre chez Husserl et Heidegger,” Alter, no. 1 (1993) (Fontenay-aux-Roses: Editions Alter), p. 386.[
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