A suposta “simplicidade” do “eu penso” é igualmente enganosa, uma sedução de palavras. Nietzsche desafia a confiança na noção de uma certeza imediata (o imediatismo e a evidência do “eu penso”). Em Além do Bem e do Mal (parágrafo 16), Nietzsche fala da crença desses “inofensivos observadores de si mesmos” na superstição do “eu quero” ou do “eu penso”, “como se o conhecimento aqui se apoderasse de seu objeto pura e simplesmente como ‘a coisa em si’, sem qualquer falsificação por parte do sujeito ou do objeto” (BGE, 23). No entanto, as próprias expressões “certeza imediata”, “conhecimento absoluto” e “coisa em si” envolvem uma contradictio in adjecto, uma contradição em termos, uma vez que toda certeza é construída, todo conhecimento é para nós e, portanto, não é absoluto, e a coisa em si não pode ser “em si”, pois isso significaria absolutamente independente de nós, a ponto de nem mesmo a notarmos! Se alguém analisasse o processo expresso nessa frase, “eu penso”, encontraria muitas afirmações que são impossíveis de estabelecer ou mesmo de provar, “por exemplo, que sou eu quem pensa, que deve haver necessariamente algo que pensa, que o pensamento é uma atividade e uma operação por parte de um ser que é considerado uma causa, que existe um ‘ego’ e, finalmente, que já está determinado o que deve ser designado por pensamento — que eu sei o que é pensar” (BGE, 23). Ao contrário do que Descartes afirmava, o “eu penso” é tudo menos “simples”. De fato, essas “verdades simples” são mais parecidas com decisões, “pois se eu ainda não tivesse decidido dentro de mim o que é, por qual padrão eu poderia determinar se aquilo que está apenas acontecendo não é talvez ‘querer’ ou ‘sentir’? Em suma, a afirmação ‘eu penso’ pressupõe que compare meu estado no momento presente com outros estados de mim mesmo que conheço, a fim de determinar o que ele é; por conta dessa conexão retrospectiva com outros ‘conhecimentos’, não há, de qualquer forma, certeza imediata para mim” (BGE, 23). Em vez de certezas imediatas, há as seguintes perguntas: “De onde tiro o conceito de pensamento? Por que acredito em causa e efeito? O que me dá o direito de falar de um ego, e mesmo de um ego como causa, e finalmente de um ego como causa do pensamento?” (BGE, 24). Todas essas noções são construções para Nietzsche, que ele entende em termos do papel constitutivo da linguagem no pensamento. O sujeito começa a aparecer como uma construção linguística.
(RAFFOUL, F. Thinking the event. Bloomington: Indiana university press, 2020)