princípio da identidade

O princípio da identidade soa, conforme uma fórmula corrente: A = A. O princípio vale como a suprema lei do pensamento. Sobre este princípio procuramos meditar por uns instantes. Pois queremos experimentar, através do princípio, que é identidade.

Quando o pensamento, interpelado por um objeto, segue-lhe os passos, pode acontecer-lhe que se transforme a caminho. Por isso, é aconselhável atentar, no que segue, ao caminho, menos ao conteúdo. O demorar-se adequadamente no conteúdo já nos impede a continuação da conferência.

Que diz a fórmula A = A, em que ordinariamente se apresenta o princípio da identidade? A fórmula designa a igualdade de A e A. De uma equação fazem parte ao menos dois elementos. Um A se assemelha a um outro. Quer o princípio da identidade expressar tal coisa? Manifestamente não. O idêntico, em latim idem, designa-se em grego to auto. Traduzido em nossa língua, to auto significa o mesmo. Se alguém repete sem cessar o mesmo, por exemplo, a planta é planta, exprime-se numa tautologia. Para que algo possa ser o mesmo, basta cada vez um. Não é preciso dois como na igualdade.

A fórmula A = A fala de uma igualdade. Ela não nomeia A como o mesmo. A fórmula corrente para o princípio da identidade encobrem por conseguinte, justamente o que o princípio quereria dizer: A é A, quer dizer, cada A é ele mesmo o mesmo.

Enquanto assim circunscrevemos o idêntico, ecoa uma antiga palavra pela qual Platão torna compreensível o idêntico, uma palavra que aponta para uma ainda mais antiga. No Diálogo Sofista, 254 d, Platão fala de stasis e kinesis, de repouso e movimento. Nesta passagem Platão faz falar o estrangeiro: oukoun auton hekaston toin men dyoin heteron estin, auto d’heauto tauton.

“Entretanto, cada um deles é um outro, ele mesmo, contudo, para si mesmo o mesmo.” Platão não diz apenas: hekaston auto tauton, “cada um ele mesmo o mesmo”, mas: hekaston heauto tauton, “cada um ele mesmo para si mesmo o mesmo”.

O dativo heauto significa: cada coisa ela mesma é a si mesma devolvida, cada um ele mesmo é o mesmo – isto é, para si mesmo consigo mesmo. Como a língua grega, a nossa língua prefere explicitar o idêntico com a mesma palavra, isto, porém, pela integração das suas diversas formas. A fórmula mais adequada para o princípio da identidade A é A não diz apenas: cada A é ele mesmo o mesmo; ela diz antes: consigo mesmo é cada A ele mesmo o mesmo. Em cada identidade reside a relação “com”, portanto, uma mediação, uma ligação, uma síntese: a união numa unidade. Por isso a identidade aparece, através da história do pensamento ocidental, com o caráter da unidade. Mas esta unidade não há absolutamente o insípido vazio daquilo que, em si mesmo desprovido de relações, persiste na monótona uniformidade. Contudo, para que a relação imperante na identidade – relação do mesmo consigo mesmo que já ecoa desde a Antiguidade – chegue a se manifestar decidida e claramente como tal mediação, para que efetivamente se encontre receptividade para esta manifestação da mediação no seio da identidade, o pensamento ocidental necessita de mais de dois mil anos. Pois somente a filosofia do idealismo especulativo, preparada por Leibniz e Kant, funda, através de Fichte, Schelling e Hegel, um lugar para a essência em si mesmo sintética da identidade. Isto não pode ser examinado aqui. Uma coisa, porém, deve-se ter presente: desde a época do idealismo especulativo permanece vedado ao pensamento representar a unidade da identidade como monótona uniformidade e abstrair da mediação que impera na unidade. Onde tal acontece, a identidade é representada apenas abstratamente.

Também na fórmula corrigida “A é A” somente se manifesta a identidade abstrata. Chega a isto? Exprime o princípio da identidade algo sobre a identidade? Não, pelo menos não imediatamente. O princípio já pressupõe o que significa identidade e qual o seu lugar. Como poderemos obter uma informação sobre este pressuposto? O princípio da identidade no-la dá, se cuidadosamente prestarmos atenção ao seu teor fundamental, se o meditarmos em vez de apenas repetir levianamente a fórmula “A é A”. Seu teor é propriamente: A é A. Que ouvimos nós? Com este “é”, o princípio diz como todo e qualquer ente é, a saber: ele mesmo consigo mesmo o mesmo. O princípio da identidade fala do ser do ente. Como princípio do pensamento, o princípio somente vale na medida em que é um princípio do ser, cujo teor é: de cada ente enquanto tal faz parte a identidade, a unidade consigo mesmo.

O que o princípio da identidade, quando ouvido em seu teor fundamental, expressa é exatamente aquilo que todo o pensamento ocidental-europeu pensa, a saber, isto: a unidade da identidade constitui um traço fundamental no seio do ser do ente. Em toda parte, onde quer que mantenhamos qualquer tipo de relação com qualquer tipo de ente, somos interpelados pela identidade. Se não falasse este apelo, então o ente jamais seria capaz de manifestar-se em seu ser como fenômeno. Por conseguinte, também não haveria nenhuma ciência. Pois se não lhe fosse garantida previamente e em cada caso a mesmidade de seu objeto, a ciência não poderia ser o que ela é. Através desta garantia, a pesquisa se assegura a possibilidade de seu trabalho. Contudo, a representação-guia da identidade do objeto da ciência jamais traz utilidade palpável. Por conseguinte, o elemento de sucesso e fecundo do conhecimento cientifico repousa em toda parte sobre algo inútil. O apelo da identidade do objeto fala, pouco importando que a ciência ouça ou não este apelo, que não o leve a sério ou que por ele se deixe consternar. [MHeidegger – IDENTIDADE E DIFERENÇA 1973:378-379]