J.-P. Sartre, Les Mots, Gallimard, 1964, p. 38-39.
A biblioteca continha basicamente os grandes clássicos da França e da Alemanha. Havia também gramáticas, alguns romances famosos… Um universo modesto. Mas o Grande Larousse me servia de tudo: eu pegava um volume ao acaso, atrás da escrivaninha, na penúltima prateleira – A-Bello, Bello-Ch ou Ci-D, Mele-Po ou Pr-Z (essas combinações de sílabas haviam se tornado nomes próprios que designavam regiões do saber universal: existiam o território Ci-D, o território Pr-Z, com sua fauna e flora, suas cidades, seus grandes homens e suas batalhas); eu o depositava com dificuldade sobre o tampo da escrivaninha do meu avô, abria-o e ali descobria pássaros de verdade, caçava borboletas reais pousadas em flores verdadeiras. Homens e animais estavam ali, em pessoa; as gravuras eram seus corpos, o texto era sua alma, sua essência singular; fora das páginas, encontravam-se esboços vagos que se aproximavam mais ou menos dos arquétipos sem alcançar sua perfeição: no Jardim de Aclimatação, os macacos eram menos macacos, no Jardim de Luxemburgo, os homens eram menos homens. Platônico por vocação, eu ia do conhecimento ao seu objeto; encontrava na ideia mais realidade do que na coisa, porque ela se me dava primeiro e porque se dava como uma coisa.
Foi ali, nos livros, que encontrei o universo: assimilado, classificado, rotulado, pensado – ainda assim ameaçador. E confundi a desordem de minhas experiências literárias com o curso acidental dos eventos reais. Daí veio esse idealismo que levei trinta anos para me desfazer.