Patocka (1995:151-152) – a reciprocidade do outro

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A reciprocidade do outro é a maneira pela qual vivemos com ele e nele. Temos “necessidade” do outro, não como uma mera existência, um ser que persiste, mas na sua função, na sua ação sobre nós, na reciprocidade em que nós próprios somos para ele não menos do que ele é para nós. Esta reciprocidade desapareceu, deixando um vazio; de repente, há um muro contra o qual o nosso habitus de reciprocidade se choca. De diferentes formas e em diferentes graus, “fizemo-nos” para o outro; outro que se tornou um órgão extrínseco da nossa própria vida. A estrutura complexa desta relação foi muito bem caracterizada por Kojève na sua interpretação de Hegel: necessitamos da necessidade do outro, é isso que constitui o modo de vida mais positivo na reciprocidade. Necessitamos que o outro necessite a nós, por isso nós mesmos nos apoiamos nele, no nosso estado de necessidade, e só assim satisfazemos a necessidade mais essencial que temos, a nossa necessidade do outro: somos para o outro o mesmo que ele é para nós. A necessidade da necessidade do outro é, em si mesma, o fato fundamental da reciprocidade. Temos necessidade de ser o preenchimento do vazio do outro; se isso acontece, o nosso próprio vazio — a nossa necessidade — é preenchido. Este preenchimento tem um caráter singular. (…) A necessidade não deve ser eclipsada, mas, pelo contrário, aguçada, constantemente renovada: esta é também a razão pela qual a necessidade do outro tem um caráter de atualização contínua. Assim que a necessidade deixa de ser sentida, segue-se a desilusão.

Erika Abrams

[PATOCKA, Jan. Papiers phénoménologiques. Grenoble: Jérôme Millon, 1995]

  1. Cf. A. Kojève, Introduction à la lecture de Hegel, Paris, Gallimard, 1947, p. 368, 497 et passim. (N.d.T.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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