(Levinas1988)
A mediação fenomenológica serve-se de uma outra via em que o «imperialismo ontológico» é ainda mais visível. É o ser do ente que é o medium da verdade. A verdade que concerne ao ente supõe a abertura prévia do ser. Dizer que a verdade do ente tem a ver com a abertura do ser é dizer, em todo o caso, que a sua inteligibilidade não está ligada à nossa coincidência com ele, mas à nossa não-coincidência. O ente compreende-se na medida em que o pensamento o transcende, para o medir com o horizonte em que ele se perfila. A fenomenologia no seu conjunto é, desde Husserl, a promoção da ideia do horizonte que, para ela, desempenha um papel equivalente ao do conceito no idealismo clássico; o ente surge num fundo que o ultrapassa, como o indivíduo a partir do conceito. Mas o que impõe a não-coincidência do ente e do pensamento — o ser do ente que garante a independência e a estranheza do ente — é uma fosforescência, uma luminosidade, um desabrochar generoso. O existir do existente transforma-se em inteligibilidade, a sua independência é uma rendição por irradiação; abordar o ente a partir do ser é, ao mesmo tempo, deixá-lo ser e compreendê-lo, É pelo vazio e pelo nada do existir — inteiramente luz e fosforescência — que a razão se apropria do existente. A partir do ser, a partir do horizonte luminoso em que o ente tem uma silhueta, mas perdeu o seu rosto, ele é o próprio apelo dirigido à inteligência. Sein und Zeit talvez tenha defendido uma só tese: o ser é inseparável da compreensão do ser (que se desenrola como tempo), o ser é já apelo à subjectividade.