McNeill (2006:60-61) – Analítica do Dasein enquanto protoética

Tradução

Expressamente escolher si mesmo aqui se refere à existência autêntica, como Heidegger segue indicando, que demanda “total auto-engajamento”, isto é, expressamente atuar sua própria finitude, a finitude do eu concretamente existente, corporificado. Esta atuação explícita de pleno auto-engajamento acarreta vir a ver, e assumir como as bases de suas ações, a finitude que o Dasein “sempre já é, na medida em que existe”. Aqui vemos como a analítica do Dasein se desdobra como uma hermenêutica da existência. Demanda de cada indivíduo que ele ou ela descerre, via a interpretação do Dasein como autointerpretação, o que sempre foi, mas que estava oculto nas interpretações dominantes subjacentes à forma cotidiana como conversa de “a-gente” (das Man) – tais interpretações (por exemplo, o eu como “sujeito”) sendo aquelas transmitidas pela tradição filosófica dominante. Quando Heidegger fala da relação ontológica ao eu como a “pressuposição” para diferentes possibilidades de comportamento ôntico, tal pressuposto não deve ser entendido como uma “condição de possibilidade” teórico-transcendental, mas existencialmente (isto é, como indicaremos em um momento, em termos da primazia do futuro originário ekstático). Porque tal existir sempre se desdobra facticamente como uma relação singular de corporificação, é irredutível a uma determinação formal ou abstrata da existência humana que poderia simplesmente ser aplicada a casos particulares. Isso não significa apenas que, como hermenêutica, a analítica do Dasein é intrinsecamente protoética; também significa que exige e exorta cada indivíduo a se engajar em autotransformação, a atender a, como diz Nietzsche: “Como alguém se torna – o que é”.

Com efeito, este engajamento ontológico em autotransformação é o que é exigido para que a analítica ontológica do Dasein não se torne um discurso meramente teórico. Lê-lo como tal, como uma descrição teórica da existência humana, é deixar de ouvir desde o início a reivindicação que nos foi dirigida no enunciado de que o Dasein é a entidade que nós mesmos somos em cada caso (je). É entender mal toda a importância da analítica. É a natureza hermenêutica do discurso da analítica do Dasein em Ser e Tempo, de seu logos, que resiste à redução a um logos meramente teórico. Este discurso, como discurso de “enunciados existencial-ontológicos da essência”, não apresenta “teses éticas” sobre a prioridade do egoísmo ou do altruísmo, porque seus enunciados não são redutíveis às posturas de um logos teórico ou representacional. Em outras palavras, o tipo de ética que está sofrendo resistência é precisamente aquela concepção de ética que consideraria a conduta ética adequada como dependente simplesmente (ou mesmo principalmente) da aplicação de uma teoria formal, seja de regras particulares ou de princípios regulatórios gerais. E é isso que está em jogo na insistência de que a ontologia do Dasein não tome como seu objeto um “eu” ou “sujeito” “sem mundo”. Assim, Heidegger enfatiza em Ser e Tempo: “O objeto que tomamos como nosso tema é artificial e dogmaticamente excluído se alguém se restringe ‘em primeira instância’ a um ‘sujeito teórico’, a fim de então suplementá-lo ‘do lado prático’ aderindo a uma ‘ética’” (SZ:316). Da mesma forma, na “Carta sobre ‘Humanismo’” de 1946, ao retomar a questão que lhe foi dirigida logo após a publicação de Ser e Tempo, a questão “Quando você vai escrever uma ética?”, Heidegger mostra a ingenuidade da questão ao indicar que, a despeito de certas deficiências, a analítica do Dasein já é protoética, assim como seu pensamento posterior do Ser “não é teórico nem prático” (GA9:183-88).

Original

(MCNEILL, William. The Time of Life. Heidegger and Êthos. New York: State University of New York Press, 2006, p. 60-61)

  1. These words allude, of course, to the subtitle of Nietzsche’s Ecce Homo.[↩]
  2. The shortcomings include in particular the Husserlian legacy of attempting a scientific phenomenology which, in seeking to objectify and thematize Being (Sein), is inevitably drawn back to a theoretical stance at odds with the existentiell foundation of the ontological analytic of Dasein. Cf. Heidegger’s admission, in the “Letter on ‘Humanism,’ ” of the “inappropriate attempt to do science” (GA9:187). This indicates that Being and Time itself calls for a kind of double reading, attentive on the one hand to the continued presence of the “theoretical” ideal (which should not be denied), and on the other hand to the more radical, “protoethical,” existentiell foundation that is our focus here.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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