McNeill (2006:53-54) – estranheza [Unheimlichkeit]

Nosso primeiro capítulo tornou visível o Ser ou Dasein dos seres humanos como um habitar na presença de outros entes, um habitar primeiramente possibilitado pelo fato de o Dasein ser mantido, por meio da sintonização da Angústia, em uma abertura futura para o seu próprio ter-sido, uma abertura na qual o momento da ação, o Augenblick de uma possível decisão, é mantido pronto. Essa abertura, como Ser e Tempo já indicou, é ela mesma temporalizada como o ser livre do Dasein para sua própria potencialidade de Ser — isto é, como seu ser livre para a liberdade que ele mesmo potencialmente é — e somente assim como um ser livre para a possibilidade desta ou daquela decisão determinada. Sintonizando o Dasein em sua situação fática e lançada em meio aos entes como um todo, a Angústia primeiro revela e traz o Dasein “diante” do mundo como mundo, como aquilo que sempre já o excede, abrindo o Dasein para e por seu ser-no-mundo lançado como tal. O fenômeno do mundo mostra-se como essa formação prévia ou precedente de um todo, de uma liberdade para a presença, a partir da qual os entes podem ser primeiramente descobertos como tais, como sendo isto ou aquilo, na determinação de sua possível presença. Da mesma forma, o fenômeno do mundo se temporaliza como o horizonte a partir do qual a possibilidade de uma determinada decisão pode ser primeiramente discernida em sua determinação. Assim, como Heidegger indica em Ser e Tempo, aquilo diante do qual, ou “antes” do qual, o Dasein é sintonizado pela Angústia — o fenômeno do mundo como tal — é ele próprio totalmente indeterminado, uma abertura que abre a possibilidade deste ou daquele momento de presença. No que diz respeito aos entes particulares em si, não é nada, e ainda assim esse “nada” de entes é o “algo” mais primordial, o fenômeno (ou fenomenalidade) de todos os fenômenos (SZ, 186-87). A habitação do Dasein, seu ser mantido na possibilidade de presença, é, portanto, intrinsecamente um ser mantido no “nada”, como Heidegger colocaria na palestra de 1929 “O que é metafísica? (GA9:W, 12). No entanto, isso também significa que o habitar do Dasein, o seu estar “em casa” no mundo, está sempre exposto antecipadamente a um “não estar em casa”, a um Unheimlichkeit, uma estranheza que, como Heidegger enfatiza, é “o fenômeno mais primordial” com relação a todo habitar (SZ, 189). Assim, como Heidegger expressaria posteriormente, a Unheimlichkeit não surge primeiramente como consequência da humanidade; “ao contrário, a humanidade emerge da insanidade e permanece nela…”. (GA53, 89); a essência da Unheimlichkeit é “a presença na forma de uma ausência, e de tal forma que qualquer presença e ausência aqui é simultaneamente o reino aberto de toda presença e ausência” (GA53, 92). Exposta antecipadamente a, e fundamentada em, um não estar em casa, a habitação do Dasein mostra-se, assim, fundamentalmente, não ser de forma alguma uma morada segura e fixa em meio ao familiar, mas uma tarefa que deve ser realizada sempre de novo: a tarefa de vir a estar em casa em, o tempo todo, não estar em casa.

(MCNEILL, William. The Time of Life. Heidegger and Ethos. New York: State University of New York Press, 2006)