McNeill (2006:4) – alma – órgãos de sentido – percepção

Tradução

O argumento de Sócrates torna claro que, pelo menos na apreensão humana, os órgãos dos sentidos (em grego, organon) não são, por si só, aquilo que ativamente faz a percepção; pelo contrário, são apenas aquilo através do qual a percepção ocorre. Os órgãos dos sentidos são meros canais ou “instrumentos” da percepção, como o grego organon (ferramenta, implemento) implica. A atividade de perceber como tal é realizada pela alma, pela apreensão ou “ver” (noein) de algo mais do que as particularidades reveladas pelos vários sentidos, ou seja, a unidade de sua pertença juntos em uma ideia, em uma “visão”. Não podemos examinar aqui o espantoso pormenor com que Heidegger, no seu curso de 1931-32 sobre a República e o Teeteto de Platão (GA34), analisa o argumento socrático, mas vale a pena notar a sua ênfase no facto de a ideia grega aqui (e o noein e o dianoein que ela implica) não se referir ainda a uma forma não-sensível oposta ao reino da aisthesis. Ideia significa antes, argumenta Heidegger, “algo visto no seu ser visto” (das Gesichtete in seinem Gesichtetsein), o ser visto de uma unidade que foi vista (GA34, 173). A apreensão (noein) desta unidade através (dia) de toda a diferenciação dos sentidos e dos seus objetos não é simplesmente uma apreensão que ocorre por meio dos órgãos dos sentidos concebidos como “instrumentos”, mas uma apreensão que se estende pelos vários canais da percepção dos sentidos, relaciona-os uns com os outros e mantém-nos juntos na sua unidade. É com base nessa unidade que é possível qualquer dispersão da percepção sensorial, uma percepção de “isto e não aquilo”. A nossa dispersão sensorial e corporal é uma dispersão na reunião e uma reunião ou unificação na dispersão. Como reunião e unificação antes de qualquer apreensão sensorial de particularidades, a alma (que aqui ainda não está isolada como uma entidade, mas concebida e vista como uma “atividade”, um ser-visto) é, como diz Heidegger, nada mais do que esse alongamento (Erstreckung) que se estende pelos vários órgãos dos sentidos, permitindo uma relação reunida com os objetos dos sentidos. É a presença da alma como este alongamento relacional (o esforço do eros de Platão) que primeiro permite que algo corpóreo se torne semelhante a um órgão, que seja um corpo. “Só assim é que algo corpóreo (ein Körper) pode tornar-se um corpo (Leib)”, observa Heidegger (GA34, 177).

Original

(MCNEILL, William. The Time of Life. Heidegger and Êthos. New York: State University of New York Press, 2006, p. 23)

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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