Marquet (1995:216-217) – a palavra

tradução

4- A palavra (ou língua — Sprache) vem sobre mim no imperativo e interpela-me na segunda pessoa — colocando-me como um tu incuravelmente periférico em relação a uma primeira pessoa central cujo nome no indicativo constitui o próprio segredo. O imperativo é, para o homem, a única forma verbal em que o acontecimento é expresso puramente como tal — não apenas como chegando a um sujeito, mas como trazendo-o à existência através de uma existenciação primária (kun, “ser”) [Corão, XXXVI, 82 (sabemos a importância deste tema no misticismo de Ibn Arabi). A singularidade finita é sempre uma resposta a uma ordem, a uma convocação feita à continuidade, à indiferença da vida, a ter de exprimir algo de único: e é a fuga à urgência deste nome próprio que faz da minha vida um fluxo ou um voo que a pontuação da morte um dia interrompe. É apenas com o homem — comigo — que esta comunicação (esta prostituição) encontra um sujeito capaz de a refletir para o enigma da sua fonte, capaz de estar à altura do dom e de refletir, na sua própria solidão, a solidão do doador: A conversão que constitui o acontecimento único da minha história (esta expressão que eu sou), mas que, em relação à minha vida, nunca será mais do que um acidente parasitário. Entre o acontecimento múltiplo da minha vida e o acontecimento único da minha história, eu sou o sujeito a quem isso e tu acontecem e em quem se entrelaçam numa monstruosidade inextricável (a minha história — o meu “eu mítico”, o meu daimon — correspondente ao meu nome próprio).

original

[MARQUET, Jean-François. Singularité et événement. Grenoble: J. Millon, 1995.]

  1. Coran, XXXVI, 82 (on sait l’importance de ce thème dans la mystique d’Ibn Arabî).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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