Marquet (1995:90) – homem e trabalhador

(Marquet1995)

[…] Se parentesco e linguagem me são igualmente impostos (e se nenhuma adoção posterior pode corrigir radicalmente o destino), pelo menos sou livre em direito de escolher meu “trabalho” e a companhia daqueles que estão associados a mim nessa tarefa. Mas o trabalhador — ao contrário do artista — é, por seu próprio status, substituível e pode ser trocado por qualquer pessoa — sua singularidade é aquela, puramente formal, do nihil privativum, do homem sem qualidades; o que se produz através do trabalho é a própria “essência genérica” do homem (Marx), algo indiferente, homogêneo e quantificável, portanto, passível de ser pago. No modo de produção capitalista, que constitui o destino de todos os outros, o proletário — o indivíduo radicalmente desparticularizado, sem “talento” específico, sem pátria, sem sexo, sem idade — recebe seu salário, ou seja, o meio de reproduzir sua existência, do capital, isto é, de sua própria essência fetichizada e transformada em coisa, e ele só a recebe na medida exata em que, por sua parte, realizou (vitalizou) essa essência de acordo com a norma média. A camaradagem (de trabalho ou de revolta) implica, portanto, esse sentimento — patético e por vezes exaltante, cinzento e por vezes flamejante — de pertencer de forma intercambiável ao mesmo fundo sempre idêntico e perpetuamente renovado, a uma continuidade abstrata, sem carne nem palavra, anônima e ineliminável, onde toda expressão que por um momento irrompe na superfície acaba por se perder.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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