I O mundo é tudo que é o caso.
II O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas. (Wittgenstein, Tractatus Logicus-Philosophicus)
Pode-se elucidar o que assim se entende da seguinte maneira. Tomemos uma coisa bem conhecida como nosso exemplo: uma maçã. A maçã está localizada em uma fruteira. Suponhamos que tudo o que existe no mundo seja a maçã, a fruteira e o espaço que elas ocupam. Nesse caso, pode-se pensar que o mundo seria idêntico à totalidade das três coisas a seguir:
-* a maçã
-* a fruteira
-* o espaço que ocupam.
Certamente, este mundo não seria o mundo que é se a maçã fosse maior que a fruteira ou se não estivesse localizada na fruteira. Pois nosso pequeno mundo consiste em uma maçã em uma fruteira. Ao lado das próprias coisas existem, portanto, fatos que dizem respeito à sua relação umas com as outras.
UM FATO é algo que é verdadeiro para algo. É verdadeiro que a maçã está localizada na fruteira. Os fatos são pelo menos tão importantes para o mundo quanto as coisas ou OBJETOS, os elementos relacionados uns com os outros em um mundo. Pode-se ver isso com um experimento de pensamento muito simples. Suponhamos que existam apenas coisas, mas nenhum fato. Nesse caso, nada seria verdadeiro sobre essas coisas. Pois tais verdades seriam fatos, e queremos passar sem eles. Consequentemente, a respeito destas coisas, seria verdadeiro que nada é verdadeiro sobre elas. Esta é uma contradição bastante óbvia e questionável. Em cada cenário concebível, há pelo menos um fato, mas em alguns cenários concebíveis não há coisas. Um simples experimento mental mostra isso. Vamos imaginar que nada existisse: nenhum espaço-tempo, nenhum animal, nenhum sapato, nenhum planeta, nenhum sol – simplesmente nada. Neste baldio de uma situação totalmente desoladora, seria o caso de que nada existe, e o pensamento de que, neste caso, nada existe parece ser verdadeiro. Mas disto segue-se que no nada estéril há pelo menos um fato, a saber, o fato de que é um nada estéril. Este fato não seria absolutamente nada. Pelo contrário, seria o fato decisivo, a verdade sobre o deserto absoluto. Consequentemente, algo existe no nada estéril, a saber, aquilo que é verdadeiro sobre o nada estéril. Disto se segue que é impossível que não haja absolutamente nada. Pois deve haver pelo menos um fato para que nada mais possa ser.
Um mundo sem fatos não existe. Nem mesmo o nada pode reinar sem que haja o fato de que nada existe. Quando não há nada para comer no almoço, isso é um fato e, pelas circunstâncias, muito incômodo. O nada não existe. Sempre uma coisa ou outra é o caso, sempre uma coisa ou outra é verdadeira sobre uma coisa ou outra. Nada nem ninguém escapa aos fatos. Não importa o quão onipotente Deus seja, pois nem mesmo Deus poderia escapar dos fatos, pois afinal seria um fato que ele é Deus e não nada.
Um mundo sem coisas é, ao contrário, facilmente concebível. Em meus sonhos não há coisas espaço-temporais estendidas, apenas objetos sonhados (isto é, como se constata, a diferença central entre objetos e coisas: as últimas são sempre de natureza concreta e material, enquanto as primeiras assim não são incondicionalmente). Objetos sonhados são semelhantes a coisas espaço-temporais, mas não são tais coisas, pois se fossem, seria o caso de em nosso sonho sairmos de nossos corpos e viajarmos pelo universo – algo que eu pessoalmente considero ser certamente falso.
Agora já sabemos que o mundo é pelo menos uma totalidade de conexões. Também sabemos que o mundo é a totalidade não apenas de objetos ou coisas, mas também de fatos. Nesse ponto, a análise de Wittgenstein termina, porque ele era da opinião de que há uma totalidade de fatos em virtude dos quais o mundo é definido.
Mas já sabemos mais do que Wittgenstein, pois já sabemos que não apenas coisas, objetos e fatos existem, mas também domínios de objetos. Por isso podemos trabalhar com a seguinte compreensão de “o mundo”: o mundo é um domínio de domínios, o domínio de objeto que abriga todos os domínios de objeto (diferente do universo, que acomoda apenas o domínio de objeto das ciências naturais). Também sabemos que existem muitos domínios de objeto, que pelo menos parcialmente se excluem, mas também parcialmente se abrangem de maneiras diferentes. O domínio de objeto da história da arte impede que alguém dissolva quimicamente obras de arte da Renascença em um laboratório e as junte novamente. Isso aniquilaria os objetos da história da arte. O domínio de objeto dos números inteiros, em contraste, inclui o domínio de objeto dos números pares. O domínio de objeto da política democrática local não permite que apenas um partido possa se candidatar. Ele também exclui sistemas de um único participante, mas inclui outros domínios de objeto dentro dele, como o clube de boliche residente.