Marion (2004:§4) – o mundo segundo a vaidade

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O mundo só pode ser fenomenalizado entregando-se a mim e fazendo-me seu doado. Não há nada de injusto, tirânico ou odioso no meu lugar ao sol — no sol erótico que me garante ser amado ou odiado: reivindicá-lo é o meu primeiro dever.

Por outro lado, há outra objeção que me pode impedir. Substituir o ego como pensador pelo ego como amado ou odiado poderia de fato enfraquecê-lo, e por duas razões. Em primeiro lugar, porque depende do ego cogitans para se pensar sozinho e, portanto, para produzir a sua certeza em perfeita autonomia, ao passo que, ao considerar-me segundo a redução erótica, apenas me coloco a questão “amas-me?”, que continua sem resposta. Esta pergunta torna-me dependente de um outro anônimo que não posso, por definição, controlar; expõe-me, portanto, à incerteza radical de uma resposta que é sempre problemática e talvez impossível. A partir de agora, tenho de lamentar a perda de autonomia, essa obsessão inquestionável. Em segundo lugar, porque mesmo que uma confirmação erótica me viesse de outro lugar, eu continuaria a estagnar numa incerteza definitiva. Com efeito, a certeza do outro não se acrescentaria à certeza do eu para a confirmar, mas, na melhor das hipóteses, compensaria o seu fracasso, tendo-a ele próprio provocado ao ferir o ego de uma alteridade que lhe é mais original do que ele próprio. Ao entrar na redução erótica, perco-me a mim próprio, porque a minha personagem — amada ou odiada — nunca me pertencerá (como me pertencia pensar); já não me atribuirá a mim próprio, mas atribuir-me-á extasiado a uma instância indecisa, que decidirá tudo — e, antes de mais, eu. Em suma, o ego é enfraquecido por uma dupla heteronomia, de jure e de fato. E este duplo enfraquecimento não pode ser contestado: a objeção está em pleno vigor.

original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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