Heidegger, «Was heisst “gegeben”, “Gegebenheit” – dieses Zauberwort der Phänomenologie und der “Stein des Anstosses” bei den anderen», Grundprobleme der Phänomenologie, WS 1919-1920, GA 58, p. 5. – Aqui, parece-nos, Heidegger indica que, assim como o «escândalo» do racionalismo vulgar, a «magia» de um encantamento supostamente místico também não oferece uma atitude apropriada ao que a doação exigiria. Ele acrescenta, para que não se subestime a dificuldade da doação, que ainda precisa ser abordada: «Die Dialektik ist blind gegen die Gegebenheit» (ibid., p. 225); de fato, tais cegos não faltam, como já vimos. Reconhecendo assim o privilégio da doação, Heidegger evidentemente retoma Husserl (nota 22), mas encontrará ecos em toda a linhagem que ele torna possível. Assim, M. Merleau-Ponty: «O fenômeno central […] consiste nisto: eu sou dado a mim mesmo. Eu sou dado, isto é, eu me encontro já situado e engajado em um mundo físico e social, – eu sou dado a mim mesmo, isto é, essa situação nunca me é oculta […]» (Fenomenologia da Percepção, Paris, 1945, p. 413). Ou ainda J.-P. Sartre: «A verdade não pode permanecer a propriedade do absoluto-sujeito. Ela existe para ser dada […]. A Verdade é dom» (Verdade e Existência, 1948, ed. póstuma, Paris, 1989, p. 28). E, sobretudo, E. Lévinas, que mantém (contra o uso husserliano) o termo doação quando já não se trata mais de imanência: «A transcendência não é uma visão do Outro – mas uma doação originária» (Totalidade e Infinito, Haia, 1961, p. 149). A doação determina assim, igualmente, se não indistintamente, a fenomenalidade do si mesmo, do outro e da verdade: não se trata, evidentemente, nem de um acaso, nem de uma homonímia. (MarionDado)