luz

Quando Platão vê a vigência do vigente no seu aspecto (eidos, idea) esse que propicia a visão do vigente como tal, ele também traz essa visão em relação à luz, que é o que possibilita uma visão. Isso testemunha que Platão tem em vista o que vigora na vigência como tal. Assim, ele corresponde apenas a um traço fundamental da experiência grega do vigente.

Pensemos ainda mais atrás, em Homero, que já traz, não obstante como se de per si, o vigor de um vigente na referência à luz. Podemos lembrar uma cena do retorno de Ulisses. No caminho de Eumaios, Atena aparece na configuração de uma jovem mulher. A deusa aparece para Ulisses. O filho Telêmaco não a vê e o poeta diz: ou gar pos pantessi theoi phainontai enargeis (Od. XVI, 161). “não é para todos que os deuses aparecem enargeis”. A palavra argos costuma ser traduzida por “visível”. Argos significa porém brilhante. Diz o que brilha e luz por si mesmo. O que assim luz e ilumina vige a partir de si mesmo. Ulisses e Telêmaco vêem a mesma mulher. Mas Ulisses percebe a vigência (a presença) da deusa. Os romanos traduziram posteriormente enargeia, ou seja o que luz a partir de se mesmo, por evidentia, evideri que significa tornar-se visível. Evidência é pensada desde o homem como aquele que vê. Enargeia é, ao contrario, um caráter das próprias coisas vigentes.

Segundo Platão, estas coisas vigentes devem seu brilho a uma luz. Costuma-se apreender essa referência das ideias à luz como uma metáfora. Cabe, no entanto, perguntar: O que no próprio do viger exige e permite nessa determinação uma transposição para a luz? Já faz bastante tempo que muitos pensadores sucedâneos inquietaram-se sobre como determinações tais que igualdade, alteridade, mesmidade, movimento, que pertencem ao viger do vigente, ainda podem ser pensados como ideias. Será que aqui não se encobre um estado de coisas inteiramente diverso que, mediante a interpretação moderna da ideia ou aspecto do vigente no sentido da perceptio, ou seja, de uma representação construída pelo eu humano, acaba se tornando inteiramente inacessível? A vigência do vigente assim entendida não guarda mais nenhuma referência ao sentido da claridade. Vigência está, porém, remetida ao luminoso no sentido da clareira. [Coisa do Pensamento]


Se para os pensadores originários a physis é o que permanece como a única causa a ser pensada, teremos então, oportunamente, que nos deter admirados no fato de Artemis aparecer na proximidade de Heráclito. Essa proximidade seria precisamente o sinal de que Heráclito é um pensador originário. Artemis aparece com tochas em ambas as mãos. É chamada de phosphoros, de portadora da luz. A essência da luz (phaos, phos) é a claridade sem a qual nada aparece, sem a qual nada pode sair do encobrimento para o desencobrimento. A essência da physis é, porém, surgir e espraiar-se simultaneamente numa abertura e clareira. phos, phaos, luz, e physis, surgir, e phaine, brilhar e aparecer, possuem raízes na própria essência daquilo que nem os pensadores originários dos gregos e nenhum dos pensadores posteriores chegaram a pensar, na unidade de sua riqueza.

Chamamos essa essência de clareira (Lichtung), palavra única, mas ainda não pensada. No sentido de abrigar abrindo e clareando, a clareira é a essência originária que se vela na aletheia. Este é o nome grego para dizer verdade, mas para os gregos significa desencobrimento e des-cobrimento. Na essência escondida da aletheia, physis (natureza) e phaos (luz) trazem o fundo da unidade velada de sua essência. Deve-se observar que, embora sem possuir a menor ideia sobre o nexo essencial acima referido entre physis e phaos, a linguística moderna chegou a reconhecer que as palavras physis e phaos são a mesma palavra. Mas o conhecimento linguístico não é prova de nada. E isso porque não passa de apêndice e consequência de opiniões tecidas com base em nexos de essência assumidos de forma inconsciente e irrefletida. [GA5 31]