linguagem

Sprache

A linguagem é a casa do Ser. Em sua habitação (Behausung) mora o homem. Os pensadores e poetas lhe servem de vigias. Sua vigília é con-sumar (voll-bringen) a manifestação do Ser, porquanto, por seu dizer, a tornam linguagem e a conservam na linguagem.
(…)
O esvaziamento da linguagem, que prolifera rápido por toda parte, não corrói apenas a responsabilidade estética e moral, vigente em todo emprego da linguagem. Provém de uma ameaça à Essência do homem. Um estilo apurado, somente, ainda não demonstra termos evitado esse perigo Essencial. Ao contrário. Poderia, hoje, até, significar que não vemos o perigo ou mesmo que nem somos capazes de vê-lo, por ainda não nos havermos ex-posto à sua fisionomia. A decadência da linguagem, ultimamente muito comentada – e com bastante atraso – não é a causa, mas já uma consequência do processo no qual a linguagem, sob o domínio da moderna metafísica da subjetividade, decai quase inevitavelmente de seu elemento. A linguagem continua a recusar-nos a sua Essência, a saber, que é a casa da Verdade do Ser. Ao invés, ela se entrega, simplesmente como um instrumento para o domínio do ente, a nosso querer e às nossas atividades. [CartaH, Carneiro Leão; GA9; GA9GS]


Pois as palavras e a linguagem não constituem cápsulas, em que as coisas se empacotam para o comércio de quem fala e escreve. É na palavra, é na linguagem, que as coisas chegam a ser e são. Por isso o abuso da linguagem no simples “bate-papo”, (Gerede) nos jargões e frases feitas nos faz perder a referência autêntica com as coisas. [GA40ECL:52]


A correspondência propriamente assumida e em processo de desenvolvimento, que corresponde ao apelo do ser do ente, é a filosofia. Que é isto – a filosofia? somente aprendemos a conhecer e a saber quando experimentamos de que modo a filosofia é. Ela é ao modo da correspondência que se harmoniza e põe de acordo com a voz do ser do ente.

Este co-responder é um falar. Está a serviço da linguagem. O que isto significa é de difícil compreensão para nós hoje, pois nossa representação comum da linguagem passou por um estranho processo de transformações. Como consequência disso a linguagem aparece como um instrumento de expressão. De acordo com isso, tem-se por mais acertado dizer que a linguagem está a serviço do pensamento em vez de: o pensamento como co-respondência está a serviço da linguagem. Mas, antes de tudo, a representação atual da linguagem está tão longe quanto possível da experiência grega da linguagem. Aos gregos se manifesta a essência da linguagem como o logos. Mas o que significa logos e legein? Apenas hoje começamos lentamente, através de múltiplas interpretações do logos, a descerrar para nossos olhos o véu sobre sua originária essência grega. Entretanto, nós não somos capazes nem de um dia regressar a esta essência da linguagem, nem de simplesmente assumi-la como herança. Pelo contrário, devemos entrar em diálogo com a experiência grega da linguagem como logos. Por quê? Porque nós, sem uma suficiente reflexão sobre a linguagem, jamais sabemos verdadeiramente o que é a filosofia como a co-respondência acima assinalada, o que ela é como uma privilegiada maneira de dizer.

Mas pelo fato de a poesia, em comparação com o pensamento, estar de modo bem diverso e privilegiado a serviço da linguagem, nosso encontro que medita sobre a filosofia é necessariamente levado a discutir a relação entre pensar e poetar. Entre ambos, pensar e poetar, impera um oculto parentesco porque ambos, a serviço da linguagem, intervêm por ela e por ela se sacrificam. Entre ambos, entretanto, se abre ao mesmo tempo um abismo, pois “moram nas montanhas mais separadas”.

Agora, porém, haveria boas razões para exigir que nosso encontro se limitasse à questão que trata da filosofia. Esta restrição seria só então possível e até necessária, se do diálogo resultasse que a filosofia não é aquilo que aqui lhe atribuímos: uma correspondência, que manifesta na linguagem o apelo do ser do ente. [MHeidegger 39]


NOTA TRADUTOR: A crítica da instrumentalização da linguagem visa a proteger o sentido, a dimensão conotadora e simbólica, contra a redução da linguagem ao nível da denotação, do simplesmente operativo. Não se trata apenas de salvar a mensagem linguística da ameaça da pura semioticidade. O filósofo descobre na linguagem o poder do logos, do dizer como processo apofântico; entrevê na linguagem a casa do ser, onde o homem mora nas raízes do humano. Se lembrarmos as três constantes que a tradição apresenta na filosofia da linguagem – a lógica da linguagem, o humanismo da linguagem e a teologia da linguagem –, verificamos que o filósofo assume a segunda, radicaliza-a pela hermenêutica existencial, carrega-a de historicidade e transforma a linguagem em centro de discussão, pela ideia da destruição da ontologia tradicional, a partir de sua tessitura categorial. Em Heidegger, uma ontologia já impossível é substituída pela critica da linguagem, numa antecipação da moderna analítica da linguagem, veja-se esta admoestação do filósofo que abre um texto seu, saído no jornal Neue Zurcher Zeitung (Zeichen, 21-9-1969): ‘A linguagem representada como pura semioticidade (Zeíchengebung) oferece o ponto de partida para a tecnicização da linguagem pela teoria da informação. A instauração da relação do homem com a linguagem que parte destes pressupostos realiza, da maneira mais inquietante, a exigência de Karl Marx: “Trata-se de transformar o mundo”. [MHeidegger 39]


A linguagem pertence, em todo caso, à vizinhança mais próxima do humano. A linguagem encontra-se por toda parte. Não é, portanto, de admirar que, tão logo o homem faça uma ideia do que se acha ao seu redor, ele encontre imediatamente também a linguagem, de maneira a determiná-la numa perspectiva condizente com o que a partir dela se mostra. O pensamento busca elaborar uma representação universal da linguagem. O universal, o que vale para toda e qualquer coisa, chama-se essência. Prevalece a opinião de que o traço fundamental do pensamento é representar de maneira universal o que possui validade universal. Lidar, de maneira pensante, com a linguagem significaria, nesse sentido: fornecer uma representação da essência da linguagem, distinguindo-a com pertinência de outras representações. A presente conferência parece pretender a mesma coisa. O título da conferência não é, porém, “sobre a essência da linguagem”. E simplesmente – “a linguagem”. Dizemos “simplesmente” e, com isso, acabamos apresentando um título ainda mais pretensioso do que dizer com simplicidade que se trata de discutir alguns aspectos da linguagem. Pois falar da linguagem talvez seja ainda pior do que escrever sobre o silêncio. Não queremos assaltar a linguagem para obrigá-la a cair nas presas de representações já prontas e acabadas. Não queremos alcançar um conceito da essência da linguagem capaz de propiciar uma concepção da linguagem a ser usada por toda parte e, assim, satisfazer todo esforço de representação.

Fazer uma colocação sobre a linguagem não significa tanto conduzir a linguagem mas conduzir a nós mesmos para o lugar de seu modo de ser, de sua essência: recolher-se no acontecimento apropriador.

Queremos pensar a linguagem ela mesma e somente desde a linguagem. A linguagem ela mesma: a linguagem e nada além dela. A linguagem ela mesma é linguagem. O entendimento escolado na lógica, habituado a empreender cálculos sobre tudo e isso quase sempre com arrogância e exaltação, considera essa frase uma tautologia vazia, uma frase que nada diz. Dizer o mesmo duas vezes: linguagem é linguagem, para onde isso haveria de nos levar? Não queremos, porém, ir a lugar nenhum. Queremos ao menos uma vez chegar no lugar em que já estamos.

Por isso perguntamos: o que há com a linguagem ela mesma? Por isso indagamos: como vigora a linguagem como linguagem? Nossa resposta é: a linguagem fala. Deve-se levar a sério uma resposta assim? Talvez, isto é, se ficar claro o que significa falar.

Para pensar a linguagem é preciso penetrar na fala da linguagem a fim de conseguirmos morar na linguagem, isto é, na sua fala e não na nossa. Somente assim é possível alcançar o âmbito no qual pode ou não acontecer que, a partir desse âmbito, a linguagem nos confie o seu modo de ser, a sua essência. Entregamos a fala à linguagem. Não queremos fundamentar a linguagem com base em outra coisa do que ela mesma nem esclarecer outras coisas através da linguagem.

Sempre que se define a linguagem como expressão, confere-se à expressão um sentido mais abrangente, incorporando-a, enquanto uma dentre outras atividades, na economia total dos desempenhos pelos quais o homem se faz a si mesmo.

Contra a caracterização da fala como um dos muitos desempenhos humanos, alguns insistem em acentuar que a palavra da linguagem tem origem divina. De acordo com as palavras que abrem o prólogo do Evangelho de São João, no princípio era a Palavra e a Palavra estava em Deus. Essa posição procurou não apenas libertar a questão da origem das cadeias de uma explicação lógico-racional como também recusar os limites impostos por uma descrição puramente lógica da linguagem. Opondo-se à determinação do significado das palavras exclusivamente como conceitos, essa posição coloca em primeiro plano o caráter figurativo e simbólico da linguagem. Desse modo, a biologia, a antropologia filosófica, a sociologia, a psicopatologia, a teologia e a poética buscaram descrever e esclarecer de maneira mais abrangente os fenômenos da linguagem.

Essas formulações assumem de antemão os modos paradigmáticos em que a linguagem se manifesta. Elas consolidam a perspectiva sob a qual se considera a totalidade essencial da linguagem. Isso explica por que há mais de dois milênios e meio a mesma representação da linguagem sustenta a lógica e gramática, a filosofia da linguagem e a linguística, não obstante o conhecimento sobre a linguagem ter continuamente aumentado e se modificado. Esse fato poderia inclusive comprovar como as representações correntes da linguagem são indiscutivelmente justas e corretas. Ninguém ousaria considerar errônea ou mesmo inútil a caracterização da linguagem como expressão sonora de movimentos interiores da alma, como atividade humana, como uma representação figurada e conceituai. A maneira mencionada de se abordar a linguagem é correta e exata, pois corresponde ao que uma investigação dos fenômenos linguísticos pode sempre constatar sobre a linguagem. No âmbito dessa exatidão, movimenta-se também todo questionamento, que acompanha a descrição e explicação dos fenômenos linguísticos.

Poucas são no entanto as vezes que refletimos sobre o estranho papel desempenhado por essas representações corretas e exatas da linguagem. Por toda parte, elas afirmam como algo inabalável o campo dos vários modos de observação científica da linguagem. Elas remetem contudo a uma antiga tradição, deixando inteiramente inobservado o cunho mais antigo da essência da linguagem. Apesar de antigas e compreensíveis, elas nunca se dirigem à linguagem como linguagem. [GA12MSC:7-11]


Antecipar reservando é o modo como os mortais correspondem à di-ferença. Desse modo, os mortais moram na fala da linguagem.

A linguagem fala. Sua fala chama a diferença, a di-ferença que des-apropria mundo e coisa para a simplicidade de sua intimidade.

A linguagem fala.

O homem fala à medida que corresponde à linguagem. Corresponder é escutar. Ele escuta à medida que pertence ao chamado da quietude.

Não temos aqui nenhuma pretensão de apresentar uma nova concepção da linguagem. Em jogo está aprender a morar na fala da linguagem. Nesse sentido, urge comprovar sempre e de novo se e em que medida somos capazes do que, na correspondência, é o mais próprio: antecipar reservando. Pois:

O homem fala à medida que corresponde à linguagem.

A linguagem fala. [GA12MSC:26]


O que o pensamento, que, pela primeira vez, procurou expressar-se em Ser e Tempo, pretende alcançar, é algo de muito simples. Por ser simples, o Ser permanece misterioso, a proximidade calma de um vigor (Walten), que não se impõe à força. Essa proximidade se essencializa (west) como a linguagem. Mas a linguagem não é meramente linguagem, no sentido em que a concebemos, quando muito, como a unidade de fonema (grafema), melodia e ritmo e significação (sentido). E pensamos no fonema e no grafema o corpo, na melodia e no ritmo a alma e na significação (das Bedeutungsmässige) o espírito da linguagem. Assim, de ordinário, pensamos a linguagem numa correspondência à Essência do homem, no sentido em que essa última é representada como animal rationale, isto é, como a unidade de corpo-alma-espírito. No entanto, assim como na humanitas do homo animalis fica oculta a ec-sistência e com a ec-sistência a referência da Verdade do Ser ao homem, assim também a interpretação metafísico-animal da linguagem encobre-lhe a Essência; na História do Ser. De acordo com essa Essência, a linguagem é a casa do Ser, edificada em sua propriedade (ereignet) pelo Ser e disposta a partir do Ser. Por isso urge pensar a Essência da linguagem numa correspondência ao Ser e como uma tal correspondência, isto é, como a morada da Essência do homem. [CartaH, Carneiro Leão; GA9; GA9GS]


O pensamento [Denken], dócil à voz do ser [Stimme des Seins], procura encontrar-lhe a palavra através da qual a verdade do ser chegue à linguagem. Apenas quando a linguagem do homem historial emana da palavra, está ela inserida no destino que lhe foi traçado. Atingido, porém, este equilíbrio em seu destino, então lhe acena a garantia da voz silenciosa de ocultas fontes. O pensamento do ser protege a palavra e cumpre nesta solicitude seu destino. Este é o cuidado [Sorge] pelo uso da linguagem. [MHeidegger POSFACIO]


A palavra [Wort], a linguagem pertencem ao âmbito dessa paisagem misteriosa onde a saga poética do dizer delimita a fonte cheia de destino da linguagem. [GA12]


Para se questionar sobre a linguagem, sobre a sua essência [Wesen], é preciso que a linguagem já se nos tenha indicado. Para se interrogar sobre a essência da linguagem, é preciso que a essência já se nos tenha indicado. Tanto o questionamento [Anfrage] quanto a interrogação [Nachfrage] necessitam, não só aqui como em qualquer outro lugar, de ter dado indícios daquilo que tocam e buscam com suas questões. A posição de toda questão [Frage] mantém-se já sempre inscrita no consentimento do que se coloca em questão. [GA12MSC:134]