Liberdade (Sartre)

J.-P. Sartre, L’Être et le Néant, p. 514-515.

Quando descrevi a consciência, não poderia tratar-se de uma natureza comum a certos indivíduos, mas sim da minha consciência singular que, como minha liberdade, está além da essência ou — como mostramos diversas vezes — para quem ser é ter sido.

Para alcançar essa consciência em sua própria existência, dispunha justamente de uma experiência singular: o cogito. Husserl e Descartes pedem ao cogito que lhes revele uma verdade de essência: em um, alcançamos a ligação de duas naturezas simples; no outro, apreendemos a estrutura eidética da consciência.

Mas se a consciência deve preceder sua essência em existência, ambos cometeram um erro. O que se pode pedir ao cogito é apenas que nos revele uma necessidade de fato. É também ao cogito que nos voltaremos para determinar a liberdade como liberdade que nos pertence, como pura necessidade de fato, ou seja, como um existente contingente, mas que não posso deixar de experimentar.

Pois sou, de fato, um existente que aprende sua liberdade por seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única se temporaliza como liberdade… Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão no meu ser; ela não é uma qualidade acrescentada ou uma propriedade da minha natureza; é, muito precisamente, o tecido do meu ser; e como meu ser está em questão no meu ser, necessariamente devo possuir certa compreensão da liberdade. É essa compreensão que temos a intenção, agora, de explicitar.

O que poderá nos ajudar a alcançar a liberdade em seu cerne são as poucas observações que fizemos a esse respeito ao longo desta obra e que devemos agora resumir aqui. Com efeito, estabelecemos desde nosso primeiro capítulo que, se a negação vem ao mundo pela realidade humana, esta deve ser um ser capaz de realizar uma ruptura nadificante com o mundo e consigo mesmo; e havíamos estabelecido que a possibilidade permanente dessa ruptura se confundia com a liberdade. Mas, por outro lado, constatamos que essa possibilidade permanente de nadificar o que sou sob a forma do “ter-sido” implica para o homem um tipo de existência particular. Pudemos então determinar… que a realidade humana era seu próprio nada. Ser, para o para-si, é nadificar o em-si que ele é. Nessas condições, a liberdade não poderia ser outra coisa senão essa nadificação. É por ela que o para-si escapa de seu ser como de sua essência.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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