“Wandem” é, de modo geral, andar a pé de um lado para outro, um tanto quanto ao sabor e à mercê deste assim andar, de modo que se faz vagar, vadiar, errar. Implicado está um insistente mudar de lugar, andando ao léu, de um lado para outro, meio que virando mundo. Em alemão, há um parentesco entre “wandem” e “wenden”. “Wenden” fala de virar, de viragem e virada, de mudança na e com virada ou viração. Também na vagância, na errância, desde ela e graças a ela, acontece ou pode acontecer uma virada. “Der Wanderer” é, portanto, o errante, o vagante, o viandante; “Wanderung” é a errância, a vagância, um caminhar que pode obedecer ao gosto e ao sabor do caminhar, cedendo à direção que os caminhos abrem, insinuam, convidam. Talvez, tal como jogam, impõem, arremessam. Assim como é descrito e formulado, fica insinuado gosto, alegria, satisfação nessa errância, nesse vagar. Se assim for feito, acompanha a esse vagar “bom humor”. Mas tal errância pode se dar também por desorientação, por falta de norte, quando se queria e se devia ter norte, o que gera inquietação, desassossego, gastura e, talvez, ainda um insuportável anseio, anelo. Para nós, aqui, num primeiro momento, a ênfase precisa recair sobre esse segundo aspecto.
Para “wandem”, “Wanderung”, talvez se possa também dizer peregrinar, peregrinação — um errar e vagar pelo estranho. O tom, a ênfase, fica, agora, no estranho, de modo que o humor que predomina é esse de estrangeiro. Peregrinar e peregrinação tendem a ser vistos e privilegiados como viagem a algum lugar sagrado e consagrado, e, então, toma-se uma caminhada em busca de um deus, do sagrado. Sim, Zaratustra, o errante, é também um peregrino, quer dizer, também e principalmente um estranho e um estrangeiro na própria terra — a Terra dos homens, do homem. E tal estranho na própria terra ele se tomou quando se deu conta do fato dos fatos — e que inaugura a sua caminhada, a sua errância: Deus está morto. Zaratustra, o homem da locupletação do projeto humanista greco-cristão, é um sem-Deus e, por isso, sem-pátria. Na sua errância, na sua peregrinação, estaria ele à busca… de quê?
Em “O viandante”, é dito: “Tão-só volta, tão-só retorna ao lar (a casa) o meu próprio (“mein eigen Selbst”) e o que dele desde há muito se achava em terras estranhas e disperso em meio a todas as coisas e acasos”. Assim, parece uma peregrinação à busca de próprio (“Selbst”). Mas o que é próprio? Tratar-se-ia de uma identidade ateia, apátrida, pois o errante é sem Deus, sem pátria? Ou seria busca nenhuma e tratar-se-ia tão-só de um nômade, cujo destino é não ter destino algum, mas mudar, mudar, passar, passar?!… E cheio do gosto e da alegria desse passar sem fito, sem meta, sem pátria?
A verdade é que essa viagem é cheia de tudo isso, daí e por isso o anseio, o anelo, a inquietação visceral, o desassossego que parece crescer das tripas e roê-las desde dentro. Mas, inicialmente, de novo, a ênfase precisa recair sobre o destempero do anseio, sobre o acicate do anelo. (Fogel2010)