Compreender é o ser desse poder-ser, que nunca está ausente no sentido de algo que simplesmente ainda não foi dado, mas que, na qualidade essencial de nunca ser simplesmente dado, “é “ junto com o ser da presença [Dasein], no sentido de existência. A presença [Dasein] é de tal maneira que ela sempre compreendeu ou não compreendeu ser dessa ou daquela maneira. Enquanto um tal compreender, ela “sabe” a quantas ela mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser. Esse “saber” não nasce primeiro de uma percepção imanente de si mesma, mas pertence ao ser do pre [das Da] da presença [Dasein] que, em sua essência, é compreender. E somente porque a presença [Dasein] é em compreendendo o seu pre [das Da], ela pode perder-se e desconhecer. E à medida que compreender está na disposição e, nessa condição, LANÇADO existencialmente, a presença [Dasein] já sempre se perdeu e desconheceu. Em seu poder-ser, portanto, a presença [Dasein] já se entregou a possibilidade de se reencontrar em suas possibilidades. STMSC: §31
O por quê a angústia se angustia desvela-se como o com quê ela se angustia: o ser-no-mundo. A mesmidade do com quê e do pelo quê a angústia se angustia se estende até ao próprio angustiar-se. Pois, enquanto disposição, esse constitui um modo fundamental de ser-no-mundo. A mesmidade existencial do abrir e do aberto em que se abre o mundo como mundo, o ser-em como poder-ser singularizado, puro e LANÇADO, evidencia que, com o fenômeno da angústia, se fez tema de interpretação uma disposição privilegiada. A angústia singulariza e abre a presença [Dasein] como “solus ipse”. Esse “solipsismo” existencial, porém, não dá lugar a uma coisa-sujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência desprovida de mundo. Ao contrário, confere à presença [Dasein] justamente um sentido extremo em que ela é trazida como mundo para o seu mundo e, assim, como ser-no-mundo para si mesma. STMSC: §40
Doravante, torna-se fenomenalmente visível do que foge a decadência como fuga. Não foge de um ente intramundano mas justamente para esse ente, a fim de que a ocupação perdida no impessoal possa deter-se na familiaridade tranquila. A fuga decadente para o sentir-se em casa do que é público foge de não sentir-se em casa, isto é, da estranheza inerente à presença [Dasein] enquanto ser-no-mundo LANÇADO para si mesmo em seu ser. Essa estranheza persegue constantemente a presença [Dasein] e ameaça, mesmo que implicitamente, com a perda cotidiana no impessoal. Essa ameaça pode, faticamente, acompanhar uma certeza total e uma não necessidade das ocupações cotidianas. A angústia pode surgir nas situações mais inofensivas. Também não necessita da escuridão onde alguma coisa comum facilmente se torna estranha. Na escuridão não há “nada” para se ver especialmente, embora o mundo esteja ainda e de maneira mais importuna “por aí”. STMSC: §40
Pertence, na verdade, à essência de toda disposição abrir, cada vez, todo o ser-no-mundo, segundo todos os seus momentos constitutivos (mundo, ser-em, ser-próprio). Só na angústia subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada uma vez que ela singulariza. Essa singularização retira a presença [Dasein] de sua decadência, revelando-lhe a propriedade e impropriedade como possibilidades de seu ser. Na angústia, essas possibilidades fundamentais da presença [Dasein], que é sempre minha {CH: não egoisticamente, mas LANÇADO para assumir}, mostram-se como elas são em si mesmas, « sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano a que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se atém. STMSC: §40
A fim de se apreender ontologicamente a totalidade do todo estrutural, deve-se questionar, em primeiro lugar, se o fenômeno da angústia e o que nela se abre podem propiciar fenomenalmente, de maneira igualmente originária, o todo da presença [Dasein], de modo a satisfazer com esses dados a visão indagadora da totalidade. Todo o seu acervo pode ser registrado através de uma enumeração formal: enquanto disposição, o angustiar-se é um modo de ser-no-mundo; a angústia se angustia com o ser-no-mundo LANÇADO; a angústia se angustia por poder ser-no-mundo. Em sua completude, o fenômeno da angústia mostra, portanto, a presença [Dasein] como ser-no-mundo que existe faticamente. Os caracteres ontológicos fundamentais desse ente são existencialidade, facticidade e decadência. Essas determinações existenciais, no entanto, não são partes integrantes de um composto em que se pudesse ou não prescindir de alguma. Ao contrário, nelas se tece um nexo originário que constitui a totalidade procurada do todo estrutural. Na unidade dessas determinações ontológicas da presença [Dasein] é que se poderá apreender ontologicamente o seu ser como tal. Como se deve caracterizar essa unidade em si mesma? STMSC: §41
Essa estrutura, porém, diz respeito ao todo da constituição da presença [Dasein]. Esse anteceder-a-si-mesma não significa uma espécie de tendência isolada num “sujeito” sem mundo, mas caracteriza o ser-no-mundo. Pertence a esse ser-no-mundo, contudo, que, entregando-se à responsabilidade de si mesmo, já se tenha LANÇADO em um mundo. É na angústia que o abandono da presença [Dasein] a si mesma se mostra em sua concreção originária. Apreendido em sua plenitude, o anteceder-a-si-mesma da presença [Dasein] diz: anteceder-a-si-mesma-no-já-ser-em-um-mundo. Vendo-se fenomenalmente essa estrutura em sua unidade de essência, evidencia-se também o que foi anteriormente exposto na análise da mundanidade. Lá se obteve que a totalidade referencial da significância que, como tal, constitui a mundanidade, ancora-se num em-virtude-de (Worum-willen). O acoplamento da totalidade referencial, das múltiplas remissões do “para-quê” ao que está em jogo na presença [Dasein] não significa a fusão de um “mundo” simplesmente dado de objetos com um sujeito. Ao contrário, é a expressão fenomenal da constituição da presença [Dasein] em seu todo originário, cuja totalidade foi agora explicitada como um anteceder-a-simesma no já ser em… Em outras palavras: existir é sempre fático. Existencialidade determina-se essencialmente pela facticidade. STMSC: §41
E, por conseguinte, o existir fático da presença [Dasein] não está apenas LANÇADO indiferentemente num poder-ser-no-mundo, mas já está sempre empenhado no mundo das ocupações. Nesse ser junto a…, que constitui a decadência, anuncia-se, explicitamente ou não, compreendida ou não, uma fuga da estranheza que, na maior parte das vezes, permanece encoberta pela angústia latente, uma vez que o caráter público do impessoal reprime toda e qualquer não familiaridade. Na decadência, o ser junto ao manual intramundano da ocupação acha-se essencialmente incluído no anteceder-a-si-mesma-no-já-ser-em-um-mundo. STMSC: §41
A condição ontológico-existencial para se determinar o ser-no-mundo através de “verdade” e “não-verdade” reside na constituição de ser da presença [Dasein] {CH: da presença [Dasein] e por isso da in-sistência}, por nós caracterizada como o projeto LANÇADO. Ela é o constitutivo da estrutura da cura. STMSC: §44
Existindo, a presença [Dasein] é seu fundamento, ou seja, é de tal modo que ela se compreende a partir de possibilidades e, assim se compreendendo, é o ente LANÇADO. Isso implica, no entanto, que: podendo-ser, ela está sempre numa ou noutra possibilidade, ela constantemente não é uma ou outra e, no projeto existenciário, recusa uma ou outra. Enquanto LANÇADO, o projeto não se determina apenas pelo nada de ser-fundamento. Enquanto projeto, ele é em si mesmo essencialmente um nada. Todavia, essa determinação não significa, de modo algum, a qualidade ôntica do que não tem “sucesso” ou “valor”, mas um constitutivo existencial da estrutura ontológica do projetar-se. O nada mencionado pertence à presença [Dasein] enquanto o ser-livre para suas possibilidades existenciárias. A liberdade, porém, apenas se dá na escolha de uma possibilidade, ou seja, implica suportar não ter escolhido e não poder escolher outras. STMSC: §58
De acordo com sua essência ontológica, a decisão é sempre decisão de uma determinada presença [Dasein] fática. A essência desse ente é sua existência. Decisão só “existe” enquanto a decisão que se projeta num compreender. Mas em virtude de que a presença [Dasein] se decide na decisão? Para que ela deve se decidir? Somente o decisivo pode dar a resposta. Seria uma total incompreensão do fenômeno da decisão pretender que ele seja meramente um apoderar-se das possibilidades apresentadas e recomendadas. O decisivo é justamente o projeto e a determinação que abrem as possibilidades faticamente dadas a cada vez. A indeterminação que caracteriza cada poder-ser faticamente LANÇADO da presença [Dasein] pertence necessariamente à decisão. A decisão só está segura de si enquanto o decisivo. Mas a indeterminação existenciária da decisão, que só se determina no decisivo, também possui sua determinação existencial. STMSC: §60
É na existencialidade da presença [Dasein], como um poder-ser no modo da preocupação em ocupações, que se prelineia, ontologicamente, o para quê da decisão. Todavia, enquanto cura, a presença [Dasein] se determina por facticidade e decadência. Aberta em seu “pre [das Da]”, ela se mantém, de modo igualmente originário, na verdade e na não-verdade. “Propriamente” isso vale justamente para a decisão enquanto verdade própria. Ela se apropria propriamente da não-verdade. A presença [Dasein] já está e, talvez sempre esteja, na indecisão. Esse termo designa apenas o fenômeno já interpretado como abandono à interpretação predominante do impessoal. A presença [Dasein] é “vivida” como o impessoal-si-mesmo pela ambiguidade do senso comum, característica do público em que ninguém se decide e que, no entanto, já sempre incide. A decisão significa deixar-se receber o apelo a partir da perdição no impessoal. A indecisão do impessoal permanece também predominante, embora não seja capaz de alcançar a existência decidida. Enquanto conceito inverso à decisão em sua compreensão existencial, a indecisão não significa uma qualidade ôntica e psíquica, no sentido de sobrecarga de repressões. O decisivo também continua referido ao impessoal e a seu mundo. A possibilidade disto ser compreendido depende do que se abre na decisão, já que só a decisão propicia à presença [Dasein] a transparência própria. Na decisão está em jogo o poder-ser mais próprio da presença [Dasein] que, LANÇADO, só pode projetar-se para possibilidades faticamente determinadas. O decisivo não se retira da “realidade” mas descobre o faticamente possível, a tal ponto que o apreende como o poder-ser mais próprio, possível no impessoal. A determinação existencial da presença [Dasein] decidida a cada possibilidade abrange os momentos constitutivos do fenômeno existencial, até agora desconsiderado, que chamamos de situação. STMSC: §60
Decidida, a presença [Dasein] assume propriamente, em sua existência, que ela é o fundamento nulo de seu nada. Concebemos existencialmente a morte como a possibilidade característica da impossibilidade de existência, ou seja, como o absolutamente nada da presença [Dasein]. A morte não se agrega à presença [Dasein] no seu “fim”. Enquanto cura, a presença [Dasein] é o fundamento LANÇADO (isto é, nulo) de sua morte. O nada que originariamente domina o ser da presença [Dasein] se lhe desvela no ser-para-a-morte próprio. O antecipar revela o ser e estar em dívida a partir do fundamento de todo o ser da presença [Dasein]. A cura abriga em si, de modo igualmente originário, morte e dívida. É a decisão antecipadora que compreende o poder-ser e estar em dívida propriamente e totalmente, ou seja, originariamente. STMSC: §62
Do mesmo modo, o “já” (Schon) significa o sentido ontológico, existencial e temporal de um ente que, em sendo, já é sempre LANÇADO. Somente porque a cura se funda no vigor de ter sido é que a presença [Dasein], enquanto ente-lançado, pode existir. “Enquanto” existe faticamente, a presença [Dasein] nunca é passado mas sempre o ter sido, no sentido de “eu sou o ter sido”. E ela só pode ser o ter sido, enquanto ela é. Em contraposição, chamamos de passado o ente que não é mais simplesmente dado. Por isso, a presença [Dasein], em existindo, nunca pode ser constatada como um fato simplesmente dado que surge e passa “com o tempo” e, aos poucos, torna-se passado. Ela sempre só “se encontra” como fato-lançado. Na disposição, a própria presença [Dasein] sobrevém-a-si como o ente que, ainda sendo, já foi, ou seja, é contínua e constantemente o ter sido. O sentido existencial primário da facticidade reside no vigor de ter sido. Com as expressões “ante” (Vor) e “já” (Schon), a formulação da estrutura da cura indica o sentido temporal de existencialidade e facticidade. STMSC: §65
A cura é ser-para-a-morte. A decisão antecipadora foi determinada como ser próprio para a possibilidade característica da absoluta impossibilidade da presença [Dasein]. Nesse ser-para-o-fim, a presença [Dasein] existe, total e propriamente, como o ente que pode ser “LANÇADO na morte”. Ela não possui um fim em que ela simplesmente cessaria. Ela existe finitamente. Em sentido próprio, o porvir que temporaliza primariamente a temporalidade, que constitui o sentido da decisão antecipadora, desvela-se, portanto, como sendo em si mesmo finito. Mas “o tempo não continua” apesar de eu não mais estar presente? E muitas coisas não podem restar, ilimitadamente, no “futuro” e dele advir? STMSC: §65
A unidade dos esquemas horizontais de porvir, vigor de ter sido e atualidade funda-se na unidade ekstática da temporalidade. O horizonte de toda a temporalidade determina aquilo na perspectiva de que o ente, existindo faticamente, se abre de modo essencial. Com a presença [Dasein] fática, um poder-ser está sempre LANÇADO no horizonte do porvir, o “já-ser” está sempre aberto no horizonte do vigor de ter sido, e aquilo de que se ocupa já está sempre descoberto no horizonte da atualidade. É a unidade horizontal dos esquemas das ekstases que possibilita o nexo originário entre as remissões de ser-para e de ser em virtude de. Isto implica que: com base na constituição horizontal da unidade ekstática da temporalidade, algo como um mundo aberto pertence ao ente que, cada vez, é o seu pre [das Da]. STMSC: §69
A presença [Dasein] existe como um ente em que está em jogo seu próprio ser. Em sua essência precedendo a si mesma, ela já se projetou para o seu poder-ser, antes de qualquer consideração posterior de si mesma. É como LANÇADA que ela se desvela no projeto. Lançada, ela se entrega ao “mundo” e decai, ocupando-se dele. Enquanto cura, ou seja, existindo na unidade do projeto já LANÇADO na decadência, ela é o ente que se abriu como pre [das Da]. Sendo-com os outros, ela se mantém numa interpretação mediana, que se articula na fala e se pronuncia na linguagem. O ser-no-mundo sempre já se pronunciou e, enquanto ser junto aos entes que vêm ao encontro dentro do mundo, ele se anuncia, constantemente, no dizer e na discussão daquilo de que se ocupa. A ocupação, comumente compreendida a partir de uma circunvisão, funda-se na temporalidade e no modo de uma atualização que aguarda e retém. Nas ocupações em que desconta, planeja, providencia e previne, sempre já se diz, de forma perceptível ou não: “então”isso deve acontecer, “antes”disso se concluir, “agora” vai se recuperar o que “outrora” malogrou e fracassou. STMSC: §79
Enquanto existencial, a possibilidade não significa um poder-ser solto no ar, no sentido de uma “indiferença do arbítrio” (libertas indifferentiae). Sendo essencialmente disposta, a presença [Dasein] já caiu em determinadas possibilidades e, sendo o poder-ser que ela é, já deixou passar tais possibilidades, doando constantemente a si mesma as possibilidades de seu ser, assumindo-as ou mesmo recusando-as. Isso diz, no entanto, que para si mesma a presença [Dasein] é a possibilidade de ser que está entregue a sua responsabilidade, é a possibilidade que lhe foi inteiramente LANÇADA. A presença [Dasein] é a possibilidade de ser livre para o poder-ser mais próprio. A possibilidade de ser é, para ela mesma, transparente em diversos graus e modos possíveis. STMSC: §31
Por que o compreender, em todas as dimensões essenciais do que nele se pode abrir, sempre conduz as possibilidades? Porque, em si mesmo, compreender possui a estrutura existencial que chamamos de projeto. O compreender projeta o ser da presença [Dasein] para o seu em virtude de e isso de maneira tão originária como para a significância, entendida como mundanidade de seu mundo. O caráter projetivo do compreender constitui o ser-no-mundo no tocante a abertura do seu pre [das Da], enquanto pre [das Da] de um poder-ser. O projeto é a constituição ontológico-existencial do espaço de articulação do poder-ser fático. E, na condição de LANÇADA, a presença [Dasein] se lança no modo de ser do projeto. O projetar-se nada tem a ver com um possível relacionamento frente a um plano previamente concebido, segundo o qual a presença [Dasein] instalaria o seu ser. Ao contrário, como presença [Dasein], ela já sempre se projetou e só é em se projetando. Na medida em que é, a presença [Dasein] já se compreendeu e sempre se compreenderá a partir de possibilidades. O caráter projetivo do compreender diz, ademais, que a perspectiva em virtude da qual ele se projeta apreende as possibilidades mesmo que não o faça tematicamente. Essa apreensão retira do que é projetado justamente o seu caráter de possibilidade, arrastando-o para um teor dado e referido, ao passo que, no projetar, o projeto lança previamente para si mesmo a possibilidade como possibilidade e assim a deixa ser. Enquanto projeto, compreender é o modo de ser da presença [Dasein] em que a presença [Dasein] é as suas possibilidades enquanto possibilidades. STMSC: §31
Neste sentido, deve-se considerar que a ambiguidade não nasce primordialmente de uma intenção explícita de deturpação e distorção e nem é detonada primeiro por uma presença [Dasein] singular. A ambiguidade já subsiste na convivência enquanto convivência LANÇADA num mundo. Entretanto, publicamente, ela se esconde, e o impessoal haverá sempre de objetar que essa interpretação não corresponde ao modo de ser da interpretação do impessoal. Seria um equívoco pretender que o impessoal concordasse com a explicação desse fenômeno. STMSC: §37
Já indicamos a resposta para essas questões com a seguinte tese: o apelo não “diz” nada que se pudesse discutir. Não oferece nenhum conhecimento a respeito de dados. O apelo coloca a presença [Dasein] diante de seu poder-ser e isso enquanto apelo proveniente da estranheza. É indeterminado quem apela – mas o lugar de onde ele apela não é indiferente para o apelo. No apelo, esse lugar de onde – a estranheza da singularidade LANÇADA – é convocado, ou seja, abre-se conjuntamente. Na apelação para…, o lugar de onde provém o apelo é o lugar para onde se destina a reclamação. O apelo não dá a compreender um poder-ser ideal e universal; ele abre o poder-ser como a singularidade de cada presença [Dasein]. O caráter de abertura do apelo só se determina plenamente na sua compreensão de reclamação que apela. Somente orientando-se por essa apreensão do apelo é que se deve perguntar o que ele dá a compreender. STMSC: §58
Mas que experiência fala a favor deste ser e estar em dívida originário da presença [Dasein]? A pergunta inversa não pode ser aqui esquecida: Será que a dívida só “está” “por aí” quando a consciência da dívida está em vigília? Ou não será que é justamente quando a dívida “adormece” que o ser e estar em dívida originário se anuncia? Que numa primeira aproximação e na maior parte das vezes este não se tenha aberto e que se mantenha fechado pelo ser decadente da presença [Dasein], isso apenas desvela o referido nada. Mais originário do que qualquer saber a seu respeito é o ser e estar em dívida. E somente porque a presença [Dasein], no fundo de seu ser, é e está em dívida e, enquanto LANÇADA e decadente, se tranca em si mesma é que a consciência se faz possível, desde que, no fundo, o apelo dê a compreender esse ser e estar em dívida. STMSC: §58
A presença [Dasein] de fato LANÇADA só pode “tomar” tempo e perder tempo porque, com a abertura do pre [das Da], fundada na temporalidade, a presença [Dasein], entendida como temporalidade ekstaticamente estendida, recebe a concessão de um “tempo”. STMSC: §79
Na abertura propiciada pelo relógio natural, pertencente à presença [Dasein] LANÇADA na decadência, reside, igualmente, um fazer-se público privilegiado e sempre realizado pela presença [Dasein] do tempo ocupado. Este se consolida e aumenta através do aperfeiçoamento da contagem do tempo e do refinamento do uso do relógio. Não caberia aqui expor historiograficamente o desenvolvimento histórico da contagem do tempo e do uso do relógio, percorrendo suas possíveis transformações. Deve-se, ao invés, colocar, de modo ontológico e existencial, a seguinte questão: Qual o modo de temporalização da temporalidade da presença [Dasein] que se revela na direção em que se formaram a contagem do tempo e o uso do relógio? Junto com a resposta a esta questão deve nascer uma compreensão mais originária de que também a medição do tempo, ou seja, a publicação explícita do tempo ocupado, está fundada na temporalidade da presença [Dasein] e, na verdade, numa sua temporalização bem determinada. STMSC: §80
Não se poderá discutir aqui se a interpretação hegeliana de tempo e espírito e de seu nexo é legítima e se ela se baseia em fundamentos ontologicamente originários. Mas que a “construção” dialético-formal do nexo entre tempo e espírito pode ser simplesmente ousada revela um parentesco originário entre ambos. A “construção” hegeliana recebeu seu impulso do esforço e da luta por conceber a “concreção” do espírito. É o que anuncia a seguinte frase do capítulo final da Fenomenologia do espírito: “O tempo se manifesta, pois, como o destino e a necessidade do espírito, que em si não se completou – a necessidade de enriquecer a parte que a autoconsciência tem na consciência, o imediato do em-si – a forma em que a substância está na consciência – de pôr-se em movimento ou, ao invés, de o em-si, tomado como o interior, realizar e revelar o que é interior – ou seja, de reivindicar a certeza de si mesmo”. A analítica existencial da presença [Dasein] se coloca, ao contrário, dentro da “concreção” da própria existência LANÇADA de fato para, então, desvelar a temporalidade como a sua possibilitação originária. O “espírito” não cai primeiro no tempo, mas ele existe como temporalização originária da temporalidade. Esta temporaliza o tempo do mundo, em cujo horizonte a “história”, entendida como acontecer intratemporal, pode se “manifestar”. O “espírito” não cai no tempo, mas a existência de fato “cai” da temporalidade própria e originária na decadente. Esse “cair”, no entanto, tem a sua possibilidade existencial num modo de temporalização pertencente à temporalidade. STMSC: §82