Krell (2008:428-429) – Fim da Filosofia… [GA14]

Podemos nos aventurar a dar o passo atrás em filosofia para o pensamento do Ser assim que nos familiarizarmos com a origem do pensamento.

O título (O Fim da Filosofia …, GA14) é provocativo. Quer provocar uma “crítica imanente” de Ser e Tempo, composto cerca de quarenta anos antes, ou seja, investigar a “experiência básica” subjacente àquele livro e a adequação de suas “formulações” sem abandonar a perspectiva da questão do Ser. Heidegger já havia exercido essa crítica antes, por exemplo, em sua “Carta sobre o Humanismo”, e de fato o fez continuamente desde 1927. Como resultado dessa última reavaliação, as palavras-chave do projeto de Heidegger mudam. Em vez de “Ser e Tempo” (Sein und Zeit), ele agora fala de “Clareira e Presença” (Lichtung und Anwesenheit). (Os leitores devem se lembrar de que a palavra Lichtung, embora cognata com “iluminação”, foi traduzida como “clareira”). Mas a alteração de Heidegger não é tanto uma mudança de terminologia quanto uma transformação do pensamento. Até que ponto essa transformação já está prevista em textos anteriores, por exemplo, na seção 44 (ET44) de Ser e Tempo ou em “Sobre a Essência da Verdade”, é uma questão interessante.

Na edição francesa deste ensaio, o “fim” da filosofia é traduzido como achèvement. Na Vollendung da filosofia, Heidegger acentua o “completude” ao invés do “final” ao analisar todas as consequências da dissolução da filosofia nas ciências especializadas. A completude da filosofia, a possibilidade ou “lugar” mais extremo para a metafísica, é uma civilização mundial baseada no modelo tecnológico ocidental. Esse modelo é a ideia platônica ostensivamente drenada de todo o conteúdo ontológico e tornada uma mera cifra, um portador monádico de informações, uma unidade da ciência cibernética. No presente ensaio, que aparece aqui em sua totalidade, Heidegger pergunta se é possível um tipo de pensamento diferente do tipo calculativo, uma reflexão que não seja nem científica nem metafísica. Contra o pano de fundo das fenomenologias hegeliana e husserliana, Heidegger relata de forma clara e decisiva o que seu próprio pensamento quer realizar. Nem um “sistema de ciência” fundamentado na absoluta identidade-em-diferença da substância e do sujeito, nem uma “ciência rigorosa” que apela para uma fonte incorrigível de evidência última, mas algo menos grandioso e menos influente é a questão para a qual Heidegger pensa e escreve.

(HEIDEGGER, M.; KRELL, D. F. Basic writings: from Being and time (1927) to The task of thinking (1964). Rev. and expanded ed ed. New York: Harper Perennial Modern Thought, 2008)