Kisiel (1995:121-122) – o eu puro ou pontual

tradução

O conceito supostamente “psicológico” de experiência tem de ser definido originalmente, para além das alternativas “objetos – experiências”, fora de um contexto em que literalmente “faz sentido” falar de “experiência”. Também não é suficiente considerar todas as experiências como “relacionadas com o Eu”, como se o Eu fosse imediatamente encontrado nelas. O “eu puro” ou “eu-pontual” apenas vem à boleia, não realiza nada na apreensão das experiências e não é de todo apropriado para o papel do si mesmo. O eu deve estar presente em todas as experiências? Não há também experiências “excêntricas”? O “eu puro” não contribui em nada para o conhecimento do contexto vital da experiência. Eu “tenho a mim mesmo” muito mais concretamente na vida fática, digamos, na memória, do que quando me oriento para um eu artificial vazio. A “situação” é, de fato, o caráter peculiar em que me encontro. Palavras como “vida”, “experiência vivida”, “eu mesmo”, extraídas da vida quotidiana, representam um perigo de objetivação nas nossas descrições; não podem ser tomadas univocamente, mas devem ser entendidas no seu carácter formal como indicativas de certos fenômenos do domínio concreto. Como é que eu mesmo vivo nas (122) minhas experiências mais concretas, como é que estou envolvido na minha sintonia com o mundo, como é que me encontro num mundo-da-vida? Como é que a vida se experimenta a si mesma? A este nível rudimentar, descobrimos uma certa familiaridade que a vida já tem consigo mesma em toda a sua plenitude, um acompanhar a vida tal como ela é vivida. A esta experiência vivida chama-se história. Aquilo a que habitualmente chamamos memória é mais uma questão de nos encontrarmos já expressos na própria experiência. Ela fornece a base para a compreensão como um ir ao encontro da experiência pessoal de vida com grande vitalidade e intimidade. Ter-se a si mesmo é, portanto, a expressão da vida na sua originalidade. Ter-se a si mesmo não é chegar a olhar para um eu como um objeto, mas o processo de ganhar ou perder uma certa familiaridade que a vida já tem consigo mesma. O eu é aqui mais um ritmo de experiência do que um eu-pontual. As possibilidades últimas de uma tal familiaridade consigo próprio exprimem-se historicamente em fenômenos como a vocação, o destino e a graça. Ter-me a mim próprio não é uma contemplação exterior ou interior, mas a experiência de aprendizagem que exprime a minha vida mais original: a minha situação pessoal, a história fática, a vida em si e para si. O(s) sentido(s) deste “ter” deve(m) agora ser colocado(s) em termos menos românticos e mais formais, embora ainda não objetivantes.

original

[KISIEL, Theodore. The Genesis of Heidegger’s Being and Time. Berkeley: University of California Press, 1995, p. 117-118]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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