(JEVH)
A problemática da constituição do espaço é, após a do tempo, a segunda com a qual a estética transcendental deve lidar, pois corresponde aos níveis mais básicos em que a intencionalidade se desenvolve, mas onde, além de seus vividos que se sucedem no fluxo que lhe é puramente imanente, ela vê se delinearem, diante dela, no exterior, “aparecentes” que ela ainda não sabe reconverter, em sua origem, em tantos “entes”. No entanto, se os textos em que Husserl tratou dessa problemática são, desde sempre, muito menos conhecidos do que aqueles em que ele analisou o movimento primordial da temporalização, isso não se deve apenas ao fato de serem [46] menos numerosos nos livros que ele publicou, embora ocupem, em seus inéditos, um espaço pelo menos igualmente importante: é também, e talvez principalmente, porque são muito mais complexos, remetendo a episódios mistos do funcionamento intencional, situados precisamente na articulação entre essa pura imanência transcendental e o meio transcendental da natureza, ao qual o ego, como ego real, pertence imediatamente, antes mesmo de poder se tornar consciente disso, por meio de sua “corporeidade própria” (Leiblichkeit), mesmo que ele também precise constituí-la a partir de dentro, diferenciando-a, em particular, dos “corpos físicos” (Körper), que só lhe aparecem de fora.
Portanto, não é por acaso que foi apenas em 1907, com um atraso de dois anos em relação às suas Lições sobre o Tempo, que Husserl decidiu abordar, de maneira sistemática, essa segunda metade de sua estética transcendental. E se essa abordagem foi imediatamente marcada pela introdução, em seu vocabulário, de um novo termo característico, o de cinestesia (sensação de movimento), o Livro I de Ideias não o retomará, no entanto, em 1913, quando ele se expressará, em duas ocasiões, sobre as relações entre a coisa e o espaço (§ 40, p. 128-130; § 150, p. 503-507). Isso explica por que seus leitores na época, assim como os das gerações seguintes até meados dos anos 70, quando essas Lições de 1907 foram publicadas, não puderam ter conhecimento da extensão dessas pesquisas que ele havia conduzido por tanto tempo sobre essa zona de funcionamento também primordial. Pois, se ele hesitou tanto em falar publicamente sobre isso, foi sem dúvida devido às dificuldades que o extremo grau de complexidade dessa questão lhe impunha, situando-se na própria interseção dos dois meios da correlação intencional.