(JEVH)
Evidentemente, não é o pronome latino ego (eu) que, por si só, pode apresentar uma dificuldade de compreensão, nem seu correspondente alemão ich, que Husserl também emprega, mas com menos frequência: é o adjetivo rein (puro), com o qual ele o acompanhou a partir de 1913 em várias passagens características do Livro I de seu Ideias (§ 37, p. 118-121; § 57, p. 188-190; § 80, p. 269-272, etc.). Em 1901, no § 8 da primeira edição da Quinta Investigação, ele havia excluído a própria possibilidade de tal qualificação, declarando, contra Natorp, que não podia “absolutamente descobrir esse eu primitivo como um centro de referência necessário” (RL II, p. 159-163). Isso o levou a acrescentar, em um Addendum à segunda edição, que ele não mais aprovava a posição que havia adotado inicialmente, embora considerasse que a “questão do eu” não precisava, de qualquer forma, ser levantada em “esferas extremamente amplas de problemas da fenomenologia” que diziam respeito ao “conteúdo real dos vividos intencionais e sua relação essencial com objetos intencionais” (p. 163-164).
Foi, de fato, a introdução, em sua fenomenologia, a partir de 1905, do duplo método reversível da redução e da constituição que obrigou Husserl a abordar finalmente de frente essa problemática do ego, até então ausente em seu pensamento e até mesmo rejeitada, qualificando-o agora como puro, mas fazendo-o em condições tais que a referência explícita a esse ego puro foi, para ele, como indicava esse Addendum, apenas um meio de recentrar em torno de um certo polo uma multiplicidade de análises funcionais que ele já havia estabelecido, mas que, sem isso, teriam permanecido gravemente incompletas. Portanto, não se deve ver nessa evolução uma mudança radical de perspectiva, na qual Husserl teria transformado completamente todas as suas séries de descrições anteriores, deslocando-as subitamente, como por encanto, para um lugar situado além dos vividos efetivos e de suas relações com seus objetos. Pois a ressurreição constante de todas as distinções centrais da Quinta Investigação dentro daquelas que agora devem corresponder às estruturas noético-noemáticas de todo ego, na Seção III do Livro I de Ideias, já mostra, por si só, o contrário. E é, em última análise, essa afirmação tão incisiva da existência de um eu puro que permitiu paradoxalmente a Husserl reintroduzir, no Livro II, um eu real, estendendo-se desde a natureza, em seus níveis intencionais inferiores, até a história, em seus [29] níveis mais elevados, através de uma “pluralidade de camadas”, como indicarão, um pouco mais tarde, as Lições sobre a Síntese Passiva (SP, § 4, p. 60).