O que se diz em Ser e Tempo (1927), §§ 27 e 35 sobre o “impessoal” (das Man) não pretende ser, de forma alguma, uma simples contribuição incidental para a sociologia. Igualmente, o “impessoal” não significa apenas a oposição ético-existentiva (existentiell) ao ser próprio da pessoa (das Selbstein). O que aí se diz, contém, antes, uma indicação, pensada a partir da questão sobre a Verdade do Ser, de que, originariamente, a palavra pertence ao Ser. Essa re-ferência permanece oculta, onde domina a subjetividade, que se apresenta como publicidade. [CartaH]
Neste afastamento constitutivo do ser-com reside, porém: a presença [Dasein], enquanto convivência cotidiana, está sob a tutela dos outros. Não é ela mesma que é, os outros lhe tomam o ser. O arbítrio dos outros dispõe sobre as possibilidades cotidianas de ser da presença [Dasein]. Mas os outros não estão determinados. Ao contrário, qualquer outro pode representá-los. O decisivo é apenas o domínio dos outros que, sem surpresa, é assumido sem que a presença [Dasein], enquanto ser-com, disso se de conta. O IMPESSOAL pertence aos outros e consolida seu poder. “Os outros”, assim chamados para encobrir que se pertence essencialmente a eles, são aqueles que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, são “co-pre [das Da]-sentes” na convivência cotidiana. O quem não é este ou aquele, nem o si mesmo do IMPESSOAL, nem alguns e muito menos a soma de todos. O “quem” e o neutro, o IMPESSOAL. STMSC: §27
O IMPESSOAL desenvolve sua própria ditadura nesta falta de surpresa e de possibilidade de constatação. Assim nos divertimos e entretemos como impessoalmente se faz; lemos, vemos e julgamos sobre a literatura e a arte como impessoalmente se vê e julga; também nos retiramos das “grandes multidões” como impessoalmente se retira; achamos “revoltante” o que impessoalmente se considera revoltante. O IMPESSOAL, que não é nada determinado, mas que todos são, embora não como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade. STMSC: §27
O IMPESSOAL possui ele mesmo modos próprios de ser. A tendência do ser-com que denominamos de afastamento funda-se em que a convivência, o ser e estar um com o outro como tal, promove a medianidade. Este é um caráter existencial do IMPESSOAL. Em seu ser, o IMPESSOAL coloca essencialmente em jogo a medianidade. Por isso, ele se atém faticamente à medianidade do que é conveniente, do que se admite como valor ou sem valor, do que concede ou nega sucesso. Essa medianidade, designando previamente o que se pode e deve ousar, vigia e controla toda e qualquer exceção que venha a impor-se. Toda primazia é silenciosamente esmagada. Tudo que é originário se vê, da noite para o dia, nivelado como algo de há muito conhecido. O que se conquista com muita luta torna-se banal. Todo segredo perde sua força. O cuidado da medianidade desvela também uma tendência essencial da presença [Dasein], que chamaremos de nivelamento de todas as possibilidades de ser. STMSC: §27
Como modos de ser do IMPESSOAL, afastamento, medianidade, nivelamento constituem o que conhecemos como o “público”. Este rege, já desde sempre, toda e qualquer interpretação da presença [Dasein] e do mundo, guardando em tudo o seu direito. E isso não por ter construído um relacionamento especial e originário com o ser das “coisas”, nem por dispor de uma transparência expressa e apropriada da presença [Dasein], mas por não penetrar “nas coisas”, visto ser insensível e contra todas as diferenças de nível e autenticidade. O público obscurece tudo, tomando o que assim se encobre por conhecido e a todos acessível. STMSC: §27
O IMPESSOAL encontra-se em toda parte, mas no modo de sempre ter escapulido quando a presença [Dasein] exige uma decisão. Porque prescreve todo julgamento e decisão, o IMPESSOAL retira a responsabilidade de cada presença [Dasein]. O IMPESSOAL pode, por assim dizer, permitir que se apóie impessoalmente nele. Pode assumir tudo com a maior facilidade e responder por tudo, já que não há ninguém que precise responsabilizar-se por alguma coisa. O IMPESSOAL sempre “foi” quem… e, no entanto, pode-se dizer que não foi “ninguém”. Na cotidianidade da presença [Dasein], a maioria das coisas é feita por alguém de quem se deve dizer que não é ninguém. STMSC: §27
O IMPESSOAL tira o encargo de cada presença [Dasein] em sua cotidianidade. E não apenas isso; com esse desencargo, o IMPESSOAL vem ao encontro da presença [Dasein] na tendência de superficialidade e facilitação. Uma vez que sempre vem ao encontro de cada presença [Dasein], dispensando-a de ser, o IMPESSOAL conserva e solidifica seu domínio teimoso. STMSC: §27
Todo mundo é o outro e ninguém é si mesmo. O IMPESSOAL, que responde à pergunta quem da presença [Dasein] cotidiana, é ninguém, a quem a presença [Dasein] já se entregou na convivência de um com o outro. STMSC: §27
Nestas características ontológicas da convivência cotidiana, ou seja, no afastamento, medianidade, nivelamento, público, desencargo de ser e contraposição, reside a “consistência” mais imediata da presença [Dasein]. Esta consistência não diz respeito à constância de algo simplesmente dado que se preserva, mas ao modo de ser da presença [Dasein] enquanto ser-com. Nestes modos de ser, o si-mesmo da presença [Dasein], o si-mesmo do outro ainda não se encontraram e, assim, tampouco se perderam. O IMPESSOAL é e está no modo da consistência do não si-mesmo e da impropriedade. Este modo de ser não significa uma diminuição ou degradação da facticidade da presença [Dasein], da mesma forma que o IMPESSOAL, enquanto ninguém, não é um nada. Ao contrario, neste modo de ser, a presença [Dasein] é um ens realissimum, caso se entenda “realidade” como um ser dotado do caráter de presença [Dasein]. STMSC: §27
Na verdade, o IMPESSOAL, assim como a presença [Dasein], não é algo simplesmente dado. Quanta mais visivelmente gesticula o IMPESSOAL, mais difícil é percebê-lo e apreendê-lo e menos ele se torna um nada. Para uma “visão” ôntico-ontológica, destituída de preconceitos, o IMPESSOAL se revela como “o sujeito mais real” da cotidianidade. Que ele não seja acessível, como uma pedra simplesmente dada, isso nada decide sobre o seu modo de ser. Assim, não se deve decretar apressadamente que o IMPESSOAL seja “propriamente” nada como não se deve favorecer a opinião de que o fenômeno do IMPESSOAL já esteja ontologicamente interpretado quando é “esclarecido” como resultado da soma posterior de vários sujeitos simplesmente dados em conjunto. A elaboração dos conceitos de ser deve orientar-se, ao contrário, por estes fenômenos irrecusáveis. STMSC: §27
O IMPESSOAL também não é uma espécie de “sujeito universal” que paira sobre vários outros. Essa concepção só é possível caso o ser dos “sujeitos” seja compreendido como o que não possui o caráter de presença [Dasein] e caso se parta da suposição de que os sujeitos são casos fatuais simplesmente dados de um gênero. Nesta premissa, só existe ontologicamente a possibilidade de se compreender tudo que não for caso, como sendo gênero e espécie. O IMPESSOAL não é o gênero da presença [Dasein] cotidiana, como também não pode ser encontrado neste ente como uma propriedade permanente. Não é de admirar que a lógica tradicional fracasse diante destes fenômenos quando se pensa que a lógica tem seu fundamento numa ontologia das coisas simplesmente dadas que, além de tudo, e precária. Por mais que se aperfeiçoe e amplie, a lógica não pode, em princípio, tornar-se mais flexível. As reformas da lógica, orientadas pelas “ciências do espírito”, só fazem aumentar a confusão ontológica. STMSC: §27
O IMPESSOAL é um existencial e, enquanto fenômeno originário, pertence à constituição positiva da presença [Dasein]. A presença [Dasein] possui em si mesma diversas possibilidades de concretizar-se. As imposições e expressões de seu domínio podem variar historicamente. STMSC: §27
O si-mesmo da presença [Dasein] cotidiana é o impessoalmente-si-mesmo , que distinguimos do propriamente si mesmo, ou seja, do si mesmo apreendido como próprio. Enquanto impessoalmente-si-mesma, cada presença [Dasein] se acha dispersa no IMPESSOAL, precisando ainda encontrar a si mesma. Essa dispersão caracteriza o “sujeito” do modo de ser que conhecemos como a ocupação que se empenha no mundo que vem imediatamente ao encontro. Que a presença [Dasein] esteja familiarizada consigo enquanto o impessoalmente-si-mesmo, isso também significa que o IMPESSOAL prelineia a primeira interpretação do mundo e do ser-no-mundo. O impessoalmente-si-mesmo, em virtude de que a presença [Dasein] é cotidianamente, articula o contexto referencial da significância. O mundo da presença [Dasein] libera o ente que vem ao encontro numa totalidade conjuntural, familiar ao IMPESSOAL e nos limites estabelecidos pela medianidade. Numa primeira aproximação, a presença [Dasein] fática esta no mundo comum, descoberto pela medianidade. Numa primeira aproximação, “eu” não “sou” no sentido do propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do IMPESSOAL. É a partir deste e como este que, numa primeira aproximação, eu “sou dado” a mim mesmo. Numa primeira aproximação, a presença [Dasein] é IMPESSOAL, assim permanecendo na maior parte das vezes. Quando a presença [Dasein] descobre o mundo e o aproxima de si, quando abre para si mesma seu próprio ser, este descobrimento de “mundo” e esta abertura da presença [Dasein] se cumprem e realizam como uma eliminação das obstruções, encobrimentos, obscurecimentos, como um romper das distorções em que a presença [Dasein] se tranca contra si mesma. STMSC: §27
Com a interpretação do ser-com e do ser-si-mesmo no IMPESSOAL, respondeu-se a pergunta quem da convivência cotidiana. Estas reflexões propiciam, ao mesmo tempo, uma compreensão concreta da constituição fundamental da presença [Dasein]. O ser-no-mundo tornou-se visível em sua cotidianidade e em sua medianidade. STMSC: §27
A presença [Dasein] cotidiana retira a interpretação pré-ontológica de seu ser do modo de ser mais imediato do IMPESSOAL. A interpretação ontológica segue inicialmente esta tendência e entende a presença [Dasein] a partir do mundo, onde a encontra como ente intramundano. E não somente isto; a ontologia “mais imediata” da presença [Dasein] recebe previamente do “mundo” o sentido do ser em virtude do qual estes “sujeitos” se compreendem. Entretanto, uma vez que neste concentrar-se no mundo salta-se por cima do próprio fenômeno do mundo, em seu lugar aparece o que é simplesmente dado dentro do mundo: as coisas. O ser dos entes em sua co-presença [Dasein] é então compreendido como ser simplesmente dado. Dessa maneira, a demonstração do fenômeno positivo do ser-no-mundo mais cotidiano possibilita adentrar as raízes da interpretação ontologicamente desviada desta constituição de ser. É ela mesma que, em seu modo de ser cotidiano, de início se encobre e não é encontrada. STMSC: §27
Se já o ser da convivência cotidiana, que, do ponto de vista ontológico, parece vizinho ao ser simplesmente dado, é diferente em princípio, então não se pode de forma alguma compreender o que é propriamente si-mesmo como algo simplesmente dado. O ser do que é propriamente si-mesmo não repousa num estado excepcional do sujeito que se separou do IMPESSOAL. Ele é uma modificação existenciária do IMPESSOAL como existencial constitutivo. STMSC: §27
O público, enquanto modo de ser do IMPESSOAL STMSC: §29
Levanta-se então a pergunta: Quais são os caracteres existenciais da abertura do ser-no-mundo quando o ser-no-mundo cotidiano se detém no modo de ser do IMPESSOAL? STMSC: §34
A resposta a essas perguntas torna-se tanto mais urgente quanto mais se recorda que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] sucumbe ao IMPESSOAL e por ele se deixa dominar. STMSC: §34
Como ser-lançado-no-mundo, não será que a presença [Dasein] foi jogada de saída no caráter público do IMPESSOAL? STMSC: §34
E que mais significa esse ser público do que a abertura específica do IMPESSOAL? STMSC: §34
Se o compreender deve ser entendido primordialmente como poder-ser da presença [Dasein], as possibilidades de ser que a presença [Dasein], enquanto IMPESSOAL, abriu e das quais se apropriou devem ser extraídas de uma análise do compreender e da interpretação próprias do IMPESSOAL. STMSC: §34
Deve evidenciar-se, numa primeira aproximação, a abertura do IMPESSOAL, isto significa, o modo de ser cotidiano da fala, da visão e da interpretação em determinados fenômenos. STMSC: §34
O IMPESSOAL prescreve a disposição e determina o quê e como se “vê”. STMSC: §35
Desse modo, no IMPESSOAL, o compreender da presença [Dasein] não vê a si mesmo em seus projetos, no tocante às possibilidades ontológicas autênticas. STMSC: §37
A convivência no IMPESSOAL não é, de forma alguma, uma justaposição acabada e indiferente, mas um prestar atenção uns nos outros, ambíguo e tenso. STMSC: §37
Entretanto, publicamente, ela se esconde, e o IMPESSOAL haverá sempre de objetar que essa interpretação não corresponde ao modo de ser da interpretação do IMPESSOAL. STMSC: §37
Seria um equívoco pretender que o IMPESSOAL concordasse com a explicação desse fenômeno. STMSC: §37
possui, frequentemente, o caráter de perder-se no caráter público do IMPESSOAL. STMSC: §38
Ao contrário, constitui justamente um modo especial de ser-no-mundo em que é totalmente absorvido pelo “mundo” e pela co-presença [Dasein] dos outros no IMPESSOAL. STMSC: §38
Se, porém, na falação e na interpretação pública, a própria presença [Dasein] confere a si mesma a possibilidade de perder-se no IMPESSOAL e de decair na falta de solidez, é porque a própria presença [Dasein] prepara para si mesma a tentação constante de decair. STMSC: §38
A certeza de si mesmo e a decisão do IMPESSOAL espalham uma suficiência crescente no tocante à compreensão própria e disposta. STMSC: §38
A pretensão do IMPESSOAL, de nutrir e dirigir toda “vida” autêntica, tranquiliza a presença [Dasein], assegurando que tudo “está em ordem” e que todas as portas estão abertas. STMSC: §38
O modo em que a precipitação se movimenta para e, na falta de solidez do ser impróprio, no IMPESSOAL, arranca constantemente o compreender do projeto de possibilidades próprias, lançando-o numa pretensão tranquilizada de possuir ou alcançar tudo. STMSC: §38
Esse arrancar contínuo da propriedade, sempre dissimulado e junto com o lançamento no IMPESSOAL, caracterizam a mobilidade da decadência como turbilhão. STMSC: §38
Pertence à facticidade da presença [Dasein] ter de permanecer em lance enquanto for o que é e, ao mesmo tempo, de estar envolta no turbilhão da impropriedade do IMPESSOAL. STMSC: §38
Imergir no IMPESSOAL junto ao “mundo” das ocupações revela algo como uma fuga de si mesmo da presença [Dasein], e isso enquanto seu próprio poder-ser propriamente. STMSC: §40
Chamamos de “fuga” de si mesmo o decair da presença [Dasein] no IMPESSOAL e no “mundo” das ocupações. STMSC: §40
Não foge de um ente intramundano mas justamente para esse ente, a fim de que a ocupação perdida no IMPESSOAL possa deter-se na familiaridade tranquila. STMSC: §40
Essa estranheza persegue constantemente a presença [Dasein] e ameaça, mesmo que implicitamente, com a perda cotidiana no IMPESSOAL. STMSC: §40
Ao contrário, a raridade do fenômeno é um indício de que, em sua propriedade, a presença [Dasein] permanece encoberta para si mesma em vista da interpretação pública do IMPESSOAL e que, nessa disposição fundamental, abre-se para um sentido originário. STMSC: §40
que constitui a decadência, anuncia-se, explicitamente ou não, compreendida ou não, uma fuga da estranheza que, na maior parte das vezes, permanece encoberta pela angústia latente, uma vez que o caráter público do IMPESSOAL reprime toda e qualquer não familiaridade. STMSC: §41
O próprio em virtude de não é apreendido, e o projeto de poder-ser ela mesma fica entregue ao talante do IMPESSOAL. STMSC: §41
É a partir dele que o projetar-se recebe as suas possibilidades e, numa primeira aproximação, segundo a interpretação do IMPESSOAL. STMSC: §41
O “querer” tranquilo, que se acha sob a guia do IMPESSOAL, também não significa a extinção do ser no poder-ser, mas somente uma modificação. STMSC: §41
Empenhar-se no IMPESSOAL significa o predomínio da interpretação pública. STMSC: §44
O empenho pelo que se diz pertence ao modo de ser do IMPESSOAL. STMSC: §44
Entretanto, o próprio da cotidianidade é o IMPESSOAL, constituído na interpretação pública expressa na falação. STMSC: §51
Impõe-se, assim, a pergunta: Como a compreensão, que se acha disposta na falação do IMPESSOAL, abriu o ser-para-a-morte? STMSC: §51
Como o IMPESSOAL se relaciona na compreensão com essa possibilidade mais própria, irremissível e insuperável da presença [Dasein]? STMSC: §51
Que disposição o estar entregue à responsabilidade da morte abre para o IMPESSOAL e de que modo? STMSC: §51
O IMPESSOAL também já assegurou uma interpretação para esse acontecimento. STMSC: §51
A análise desse “morre-se” IMPESSOAL desvela, inequivocamente, o modo do ser-para-a-morte cotidiano. STMSC: §51
O “morre-se” divulga a opinião de que a morte atinge, por assim dizer, o IMPESSOAL. STMSC: §51
A interpretação pública da presença [Dasein] diz: “morre-se” porque, com isso, qualquer um outro e o próprio IMPESSOAL podem dizer com convicção: mas eu não; pois esse IMPESSOAL é o ninguém. STMSC: §51
A morte que é sempre minha, de forma essencial e insubstituível, converte-se num acontecimento público que vem ao encontro do IMPESSOAL. STMSC: §51
com essa ambiguidade, a presença [Dasein] adquire a capacidade de perder-se no IMPESSOAL, no tocante a um poder-ser privilegiado, que pertence ao seu ser mais próprio. STMSC: §51
O IMPESSOAL dá razão e incentiva a tentação de encobrir para si o ser-para-a-morte mais próprio. STMSC: §51
É desta maneira que o IMPESSOAL busca constantemente tranquilizar a respeito da morte. STMSC: §51
Todavia, ao mesmo tempo que o IMPESSOAL tranquiliza a presença [Dasein], desviando-a de sua morte, ele mantém seu direito e prestígio, regulando tacitamente o modo de comportamento frente à morte. STMSC: §51
O IMPESSOAL não permite a coragem de se assumir a angústia com a morte. STMSC: §51
O predomínio da interpretação pública do IMPESSOAL também já decidiu acerca da disposição que deve determinar a atitude frente à morte. STMSC: §51
O IMPESSOAL ocupa-se em reverter essa angústia num medo frente a um acontecimento que advém. STMSC: §51
Segundo esse decreto mudo do IMPESSOAL, o que “cabe” é a tranquilidade indiferente frente ao “fato” de que se morre. STMSC: §51
com a fuga decadente da morte, porém, a cotidianidade da presença [Dasein] também atesta que o próprio IMPESSOAL, mesmo quando não está explicitamente “pensando na morte”, já está sempre se determinando como ser-para-a-morte. STMSC: §51
A explicação do ser-para-a-morte cotidiano deteve-se na falação do IMPESSOAL: algum dia se morre mas por ora ainda não. STMSC: §52
Se a compreensão “IMPESSOAL” da morte é a de um acontecimento que vem ao encontro dentro do mundo, então a certeza a ela relacionada não diz respeito ao ser-para-o-fim. STMSC: §52
Com esse “mas”, o IMPESSOAL retira a certeza da morte. STMSC: §52
O “por ora ainda não” não é mera proposição negativa e sim uma auto-interpretação do IMPESSOAL, em que ele testemunha aquilo que, numa primeira aproximação, ainda permanece acessível e passível de ocupação para a presença [Dasein]. STMSC: §52
O IMPESSOAL encobre o que há de característico na certeza da morte, ou seja, que é possível a todo instante. STMSC: §52
A interpretação completa da fala cotidiana do IMPESSOAL sobre a morte e de seu modo de estar dentro da presença [Dasein] conduziu aos caracteres de certeza e indeterminação. STMSC: §52
Ser-para-a-morte em sentido próprio não pode escapar da possibilidade mais própria e irremissível e, nessa fuga, encobri-la e alterar o seu sentido em favor da compreensão do IMPESSOAL. STMSC: §53
Pode-se então revelar para a presença [Dasein] que, na possibilidade privilegiada de si mesma, ela permanece desgarrada do IMPESSOAL, ou seja, antecipando, ela sempre pode dele desgarrar-se. STMSC: §53
Pode-se resumir a caracterização de ser que, existencialmente, se projeta para a morte em sentido próprio, da seguinte forma: o antecipar desvela para a presença [Dasein] a perdição no impessoalmente-si-mesmo e, embora não sustentada primariamente na preocupação das ocupações, a coloca diante da possibilidade de ser ela própria: mas isso na liberdade para a morte que, apaixonada, fática, certa de si mesma e desembaraçada das ilusões do IMPESSOAL, se angustia. STMSC: §53
O ser-si-mesmo de maneira própria determina-se como uma modificação existenciária do IMPESSOAL que ainda necessita de uma delimitação existencial. STMSC: §54
No momento em que a presença [Dasein] se perde no IMPESSOAL, já se decidiu sobre o poder-ser mais próximo e fático da presença [Dasein], ou seja, sobre as tarefas, regras, parâmetros, a premência e a envergadura do ser-no-mundo da ocupação e preocupação. STMSC: §54
O IMPESSOAL já sempre impediu para a presença [Dasein] a apreensão dessas possibilidades ontológicas. STMSC: §54
O IMPESSOAL encobre até mesmo o ter-se dispensado do encargo de escolher explicitamente tais possibilidades. STMSC: §54
Essa escolha feita por ninguém, através da qual a presença [Dasein] se enreda na impropriedade, só pode refazer-se quando a própria presença [Dasein] passa da perdição do IMPESSOAL para si mesma. STMSC: §54
A passagem do IMPESSOAL, ou seja, a modificação existenciária do impessoalmente si mesmo para o ser-si-mesmo de maneira própria deve-cumprir-se como recuperação de uma escolha. STMSC: §54
Porque está perdida no IMPESSOAL, a presença [Dasein] deve primeiro encontrar-se. STMSC: §54
Por isso a presença [Dasein] “sabe” {CH: pretende sabê-lo} a quantas ela mesma anda na medida em que se projetou em possibilidades de si mesma ou, afundando-se no IMPESSOAL, recebeu da interpretação pública do IMPESSOAL as suas possibilidades. STMSC: §55
Perdendo-se no teor público do IMPESSOAL e na sua falação, a presença [Dasein], ao escutar o impessoalmente si mesmo, não dá ouvidos ao próprio de si mesma. STMSC: §55
Para a presença [Dasein] retirar-se da perdição em que não dá ouvidos – retirar-se por ela mesma – ela deve primeiro poder encontrar a si enquanto o que não deu ouvidos a si mesma, por ter dado ouvidos ao IMPESSOAL. STMSC: §55
Esse apelo rompe o dar ouvidos ao IMPESSOAL em que a presença [Dasein] não dá ouvidos quando, de acordo com seu próprio caráter, desperta uma escuta que, em tudo, se contrapõe à escuta perdida. STMSC: §55
Porque apenas o si-mesmo do impessoalmente-si-mesmo é interpelado e forçado a escutar, o IMPESSOAL sucumbe em si mesmo. STMSC: §56
Que o apelo ultrapassa o IMPESSOAL e a interpretação pública da presença [Dasein], isso não significa, absolutamente, que o apelo também não o atinja. STMSC: §56
Justamente no ultrapassar, o apelo empurra o IMPESSOAL, absorvido nas considerações públicas, para a insignificância. STMSC: §56
A consciência como apelo da cura A consciência faz apelo ao si-mesmo da presença [Dasein] para sair da perdição no IMPESSOAL. STMSC: §57
O que poderia ser mais estranho para o IMPESSOAL, perdido no “mundo” das múltiplas ocupações, do que o si-mesmo singularizado na estranheza de si e lançado no nada? STMSC: §57
E isso somente porque o apelo não interpela para a falação pública do IMPESSOAL mas sim para dele sair e passar para a silenciosidade do poder-ser existente. STMSC: §57
Apela-se a presença [Dasein], interpelando-a para sair da decadência no IMPESSOAL (já-ser-junto-ao-mundo-das-ocupações). STMSC: §57
Olhando-se corretamente, porém, essa interpretação não passa de uma fuga da consciência, de um desvio da presença [Dasein] com vistas a escapar do muro tênue que separa o IMPESSOAL da estranheza de seu ser. STMSC: §57
Mas essa “consciência pública” poderia ser outra coisa do que a voz do IMPESSOAL? STMSC: §57
Na medida em que, para a presença [Dasein] enquanto cura, o que está em jogo é o seu ser, a partir da estranheza, ela faz apelo a si mesma, enquanto faticamente decadente no IMPESSOAL, para assumir o seu poder-ser. STMSC: §58
A reclamação apeladora da consciência oferece para a presença [Dasein] a compreensão de que ela, na possibilidade de seu ser, é o fundamento nulo de seu projeto nulo, devendo recuperar-se para si mesma da perdição no IMPESSOAL, ou seja, de que ela é e está em dívida. STMSC: §58
A compreensão do IMPESSOAL apenas conhece satisfação e insatisfação no que concerne às regras manejáveis e às normas públicas. STMSC: §58
O IMPESSOAL foge sorrateiramente do ser e estar em dívida mais próprio para tanto mais alto falar de erros e faltas. STMSC: §58
Chamamos de vulgar a interpretação da consciência porque, na caracterização do fenômeno e de sua “função”, ela se atém à consciência IMPESSOAL determinando, impessoalmente, como ela a obedece ou não. STMSC: §59
Se, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se compreende a partir das ocupações e interpreta todos os seus comportamentos como ocupação, então não haverá de interpretar justamente o modo de seu ser como decadência e encobrimento, modo que, no apelo, ela pretende recuperar da perdição nos afazeres do IMPESSOAL? STMSC: §59
A experiência de uma consciência “que adverte” apenas revê a tendência de apelo da consciência, quando ela permanece nos limites da compreensibilidade do IMPESSOAL. STMSC: §59
O apelo apresenta o insistente ser e estar em dívida, retirando, assim, o si-mesmo da algazarra da compreensão IMPESSOAL. STMSC: §60
A silenciosidade retira a palavra da falação e da compreensão IMPESSOAL. STMSC: §60
Que o IMPESSOAL, que apenas escuta e compreende a algazarra da falação, não pode “constatar” nenhum apelo, isso é então atribuído à consciência com a justificativa de que ela é “muda” e manifestamente não é um simples dado. STMSC: §60
Com esta interpretação, o IMPESSOAL encobre apenas a sua própria impossibilidade de dar ouvidos ao apelo e a curta amplitude de seu “escutar”. STMSC: §60
Junto com ele, os projetos são faticamente conduzidos da perdição nas ocupações para o IMPESSOAL. STMSC: §60
Esta não brota nem dos compromissos ambíguos e invejosos das alianças tagarelas características do IMPESSOAL e nem de qualquer coisa que, impessoalmente, se queira empreender. STMSC: §60
Esse termo designa apenas o fenômeno já interpretado como abandono à interpretação predominante do IMPESSOAL. STMSC: §60
A decisão significa deixar-se receber o apelo a partir da perdição no IMPESSOAL. STMSC: §60
A indecisão do IMPESSOAL permanece também predominante, embora não seja capaz de alcançar a existência decidida. STMSC: §60
O decisivo também continua referido ao IMPESSOAL e a seu mundo. STMSC: §60
O decisivo não se retira da “realidade” mas descobre o faticamente possível, a tal ponto que o apreende como o poder-ser mais próprio, possível no IMPESSOAL. STMSC: §60
Em contrapartida, a situação permanece essencialmente fechada para o IMPESSOAL. STMSC: §60
A compreensão do apelo da consciência desvela a perdição no IMPESSOAL. STMSC: §62
Antecipadamente decidida, e com base em seu próprio ser, a presença [Dasein] mantém-se aberta para a possibilidade de, constantemente, perder-se na indecisão do IMPESSOAL. STMSC: §62
Se com esse fenômeno chegou-se a encontrar um modo de ser da presença [Dasein] em que ela se coloca diante de si e para si, então, para a interpretação cotidiana e comum do IMPESSOAL, ele deve permanecer incompreensível, tanto ôntica quanto ontologicamente. STMSC: §62
A presença [Dasein] já sempre se compreende faticamente em certas possibilidades existenciárias, mesmo que os projetos provenham, meramente, da compreensibilidade do IMPESSOAL. STMSC: §63
A compreensibilidade do empenho IMPESSOAL nas ocupações permanece, necessariamente, estranha a toda espécie de projeto, sobretudo de um projeto ontológico, porque ela, “em princípio”, se fecha para ele. STMSC: §63
Mostrou-se também de forma negativa que a caracterização ontológica do IMPESSOAL proíbe qualquer aplicação das categorias de ser simplesmente dado (substância). STMSC: §64
A decadência da presença [Dasein], em que ela foge de si mesma para o IMPESSOAL. STMSC: §64
O IMPESSOAL, no entanto, é aquilo de que se ocupa. STMSC: §64
Ela é o modo próprio da abertura que, na maior parte das vezes, se mantém na impropriedade da auto-interpretação decadente do IMPESSOAL. STMSC: §66
Porque o si-mesmo não pode ser concebido nem como substância e nem como sujeito, estando fundado na existência, a análise do impropriamente-si-mesmo, isto é, do IMPESSOAL, foi totalmente abandonada ao fluxo da interpretação preparatória da presença [Dasein]. STMSC: §66
A cotidianidade determina a presença [Dasein], mesmo quando ela não escolheu para “herói” o IMPESSOAL. STMSC: §71
Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, o si-mesmo está perdido no IMPESSOAL. STMSC: §74
Assim, compreender enquanto compreensibilidade também constitui a existência imprópria do IMPESSOAL. STMSC: §75
O IMPESSOAL sempre conhece, discute, favorece, combate, mantém e esquece, primordialmente, na perspectiva daquilo que se empreende e daí “emerge”. STMSC: §75
Perder-se no IMPESSOAL e no que pertence à história do mundo foi, anteriormente, desvelado como fuga da morte. STMSC: §75
O IMPESSOAL se furta à escolha. STMSC: §75
Perdido na atualização do hoje, o IMPESSOAL compreende o “passado” a partir do “presente”. STMSC: §75
Em nenhuma ciência, a “validade universal” dos parâmetros e as exigências de “universalidade”, imposta pelo IMPESSOAL e por sua compreensibilidade, são menos critérios possíveis de “verdade” do que na historiografia própria. STMSC: §76
É justamente quando o IMPESSOAL dirige a compreensão vulgar da presença [Dasein] que se consolida a “representação” da “infinitude” do tempo público, que se esquece de si. STMSC: §81
O IMPESSOAL nunca morre porque, sendo a morte sempre minha e apenas compreendida existenciariamente em sentido próprio na decisão antecipadora, o IMPESSOAL nunca pode morrer. STMSC: §81
Nunca morrendo e compreendendo equivocadamente o ser-para-o-fim, o IMPESSOAL dá uma interpretação característica à fuga da morte. STMSC: §81