Haar (1990:96) – o elementar do homem

Alves

Nietzsche tinha diagnosticado um desgosto e profetizado uma mutação: «Nós estamos fatigados do homem». Tratava-se para ele de dar ao homem um acréscimo de força afirmativa, face a um longo enfraquecimento, vindo do retorno niilista da vontade contra si mesma. O trajecto heideggeriano situa-se aqui exactamente no inverso do de Nietzsche. O homem tornou-se demasiado penetrado da certeza de si, demasiado ilusoriamente mestre e possuidor do universo. No presente estamos fatigados do homem prometeico ou triunfante do século xix. Também não se trata de nos elevar para além de nós próprios, para o sobre-humano, mas de voltar aquém, às nossas condições primeiras e aos nossos recursos elementares. Regresso contra a corrente, regresso às origens, regresso ao que a tradição descobriu e depois redescobriu: tal é o movimento constante de Heidegger. Reencontrar o elementar do homem é reencontrar o que o torna possível aquém da própria biologia, o a partir do quê ele é. Ser no seu elemento é ser si-mesmo. O elemento do homem, o seu solo abissal, é o ser, estranho meio que não o contém, mas que o transporta e o exporta. Regressar ao elementar é regressar à situação fundamental do homem com o ser, com o seu ser. Esta situação — em que o homem é lançado no tempo, no mundo, e sobre uma terra da qual desposa necessariamente a facticidade, numa época incontornável para ele da história — não é uma situação de maestria, de domínio, de centralidade, mas de dependência, de submissão, de descentramento. Será ainda preciso acentuar esta dependência, submetendo-nos mais a esta submissão, renunciar a toda a vontade de controlar para nos tornarmos mais autenticamente aqueles que nós somos? E uma das questões maiores que (94) coloca a renúncia heideggeriana dos atributos, das propriedades e dos poderes humanos. Até que ponto pode o homem despojar-se da sua essência tradicional, de uma essência tão longa e tão nobremente edificada, consolidada, ilustrada? Poderá ele abster-se da subjectividade, da interioridade, da reflexividade, mesmo da individualidade como parece ser esse o caso do «mortal» no último Heidegger?

Original

  1. Généalogie de la morale, I, § 12.[↩]
Excertos de ,

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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