Haar (1990:20-22) – finitude do Dasein

Ana Cristina Alves

«Mais original que o homem é a finitude do Dasein nele». A última secção de Kant e o problema da metafísica reconcilia impacientemente no homem uma diferença que SZ tinha compreendido de forma prudente como uma distinção externa, na verdade uma oposição entre o homem da tradição e o ser-no-mundo. O Dasein aparece de agora em diante como a essência íntima do homem, cujo ser verdadeiro é restabelecido. De 1929 até 1935, o regresso ao homem passa por uma fase transitória onde os dois termos Dasein e homem são conjugados em expressões tais como: «o Dasein no homem», «o Dasein do homem historiai», o «Da-sein» (com um hífen) como «ser do homem»: «chamamos o ser do homem Dasein». Esta recuperação demasiado rápida da essência verdadeira do homem participa da mesma «ingenuidade» do projecto contemporâneo da «ontologia fundamental» ou da «metafísica do Dasein». A palavra metafísica significa de maneira ainda não pejorativa toda a interrogação relativa ao ser do ente. O projecto da ontologia fundamental visa, com efeito, «fundar» a metafísica restituindo-lhe a essência esquecida do homem. O esquecimento do ser encontra-se reconduzido ao esquecimento da finitude do homem: finitude quer dizer temporalidade, compreensão do ser, disposição afectiva, ser-lançado, «decadência». Trata-se de mostrar que a metafísica tradicional, ao desenvolver uma doutrina do ser do ente como presença permanente, apenas perdeu de vista e traiu a finitude do Dasein. Uma vez acrescentada novamente esta peça que falta, a metafísica será de novo estabelecida sobre uma base sólida. Esta base sólida é o homem! A tradição insuficientemente desconstruída vinga-se impondo este novo antropocentrismo. É apoiando-se neste homem grego, anterior a Platão, neste homem exposto ao deinon, ao inquietante poder da physis, que Heidegger reencontrará uma via para um descentramento, desta vez decisivo. Cumpre-se a Viragem: «E o próprio ser que lança o homem na via de um desprendimento que, forçando o homem a movimentar-se para lá de si mesmo como aquele que está sempre em marcha (der Ausruckender), o liga ao ser para o pôr em acção. É o ser que lança e não a physis como natureza. Não há uma necessidade cega que persiga o homem para o arrancar ao seu acampamento, ao seu repouso numa natureza própria, mas a luz historiai que lhe ordena o por a verdade em acção. O homem enquanto Ausruckender, o nunca instalado, nunca terá repouso. Será desapropriado, desfigurado, penetrado como a «brecha» em que o ser irrompe, «estranho na sua própria essência». — Mas não sem essência.

[Excerto de HAAR, Michel. Heidegger e a essência do homem. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 16-18]

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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