Em Ranke aparece uma reflexão muito instrutiva sobre o problema de como surge o nexo histórico a partir dessas decisões da liberdade: “Reconheçamos que a história não pode ter nunca a unidade de um sistema filosófico; mas tampouco carece de nexo interno. Temos diante de nós uma série de acontecimentos que se seguem e se condicionam uns aos outros. Quando digo que se condicionam, isso não se refere, obviamente, que seja através de uma necessidade absoluta. A grandeza é, antes, o fato de que por toda parte faz-se mister a liberdade humana: a historiografia faz o rastreamento das cenas da liberdade; isso é o que a torna tão apaixonante. Mas com a liberdade se associa a força, uma força original; sem ela a liberdade se acaba tanto nos acontecimentos mundiais, como no terreno das idéias. A cada momento pode começar algo novo, que somente deve ser conduzido à fonte primeira e comum de todo fazer e deixar de fazer humano; nada está aí inteiramente por causa do outro; nada se esgota totalmente na realidade do outro. E, no entanto, em tudo isso governa uma profunda conjunção interna da qual ninguém é completamente independente e que o penetra por todo lado. Junto à liberdade está sempre a necessidade. Ela se encontra aí no que já se formou, que não pode ser desfeito, que será a base de toda nova atividade emergente. O que veio a ser constitui o nexo com o que devêm. Mas esse mesmo nexo não — é algo que deva ser tomado arbitrariamente, porque ele foi de uma maneira determinada, assim e não de outro modo. É também um objeto de conhecimento. Uma ampla série de acontecimentos — um após o outro e um ao lado do outro — unidos entre si dessa maneira, forma um [209] século, uma época…”. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Em ambos os casos, aquele que procura compreender se coloca a si mesmo fora da situação do entendimento. Ele próprio não é atingível. Na medida em que se atende de antemão não somente ao que o outro procura lhe dizer, mas também à sua posição, coloca-se sua própria posição sob a imunidade do inacessível. Já vimos na gênese do pensamento histórico, que este assume efetivamente essa ambígua transição do meio para o fim, isto é, o que era só um meio, transforma-o em fim. O texto que se procura entender historicamente é privado formalmente de sua pretensão de dizer a verdade. Acredita-se compreender por que vê a tradição a partir do ponto de vista [309] histórico, isto é, porque nos deslocamos à situação histórica e procuramos reconstruir seu horizonte. De fato, renunciou-se definitivamente à pretensão de encontrar na tradição uma verdade compreensível que possa ser válida para nós mesmos. Este reconhecimento da alteridade do outro, que a converte em objeto de conhecimento objetivo, é, no fundo, uma suspensão de sua pretensão. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Na ciência moderna, essa idéia metafísica da pertença do sujeito conhecedor ao objeto de conhecimento não encontra legitimação. Seu ideal metodológico garante a cada um de seus passos o recurso aos elementos a partir dos quais constrói seu conhecimento — inversamente, as unidades significativas teleológicas, ao modo da “coisa” ou do “todo orgânico”, perdem seu direito na metodologia da ciência. Em particular a crítica ao verbalismo da ciência aristotélico-escolástica que mencionamos antes acabou desfazendo a velha subordinação recíproca de homem e mundo, que subjazia à filosofia do logos. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.