Gaboriau (1963:42-44) – interrogar os fenômenos

Conectado ao ser dessa forma, desde o início e em seu primeiro movimento, o ego questiona. Primeiro, ele questiona os fenômenos. Pois é aí que o ser aparece manifestamente para mim.

Só posso ter certeza da solidez dessa aparência examinando — em todas as suas formas — a manifestação, a fenomenalidade. Questionar os fenômenos, então, é deixar que as várias categorias de ser venham até mim e examiná-las, provocando toda uma série de perguntas. O que cada uma delas contém no âmago de sua aparência? É isso que quero descobrir.

Pois não estamos nos esquecendo do significado de nossa pesquisa. Como ciência, a metafísica busca leis, normas e hipóteses — mas do ser, não do devir.

Em nome de quê, dir-se-á, devemos proceder dessa maneira e por qual critério podemos garantir um certo progresso nessa investigação? Não existe um critério que seja externo ao processo: todas as ciências são assim. O único julgamento crítico que podemos fazer é aquele que obtém apoio e jurisdição do próprio ponto de partida, verificando cada etapa do progresso em virtude da fonte original. Não “sabemos”, é claro, não sabemos de antemão o que a metafísica nos ensinará sobre este mundo; não temos um conjunto de definições em reserva. É apenas a aparência do fenômeno — sua existência manifestada — que garante, para começar, a abordagem científica a ser adotada. Mas esse mesmo fato no início — aquilo que não vimos e não conhecemos — é, no entanto, inegável: não como uma conclusão a ser alcançada, mas como a situação positiva a partir da qual somos convocados, chamados a essa investigação da qual emergirá o “conhecimento” propriamente metafísico, como uma interpretação teórica — cientificamente válida — do fato da existência.

O Ego-ligado é essa realidade inicial cuja solidariedade existencial não pode ser contestada: tão rigorosamente primitiva na realidade que não haveria “razão” para questioná-la. Portanto, à primeira vista, ela só pode ser questionada de forma irracional, sem justificativa. A coexistência é de fato inegável, e a primeira cogitação é constituída por ela (e é precisamente nossa tarefa lhe dar uma razão). É o ser que o pensamento questionador desperta; não desperta nada além de “sub respectu entis”, na forma do ser e em relação ao ser. Esse é o indiscutível ‘logos’, o elo entre o ego e o que o cerca. Indiscutível, eu digo, porque ainda assim só seria discutido em nome do ser, se tentássemos colocar em dúvida. Antes de qualquer disposição que dependa de nossa escolha, estamos assim engajados. É precisamente esse fato que devemos levar em conta e considerar.

O “postulado” inicial, se insistirmos em usar esse termo, não é de fato postulado de forma alguma, mas imposto, positivo, dado pela natureza e pelo nascimento. Somos da raça daqueles que buscam o ser, já o tendo encontrado. Em vez de um postulatum a ser admitido, é o postulare de fato que devemos buscar a razão. E não devemos confundir com nenhum postulado, como aquele que marca a origem de um setor científico, a ligação universal e a obrigação feita ao homem de interrogar, em resposta à provocação dos fenômenos, o ser que o chama de qualquer forma.

Na origem da metafísica, portanto, não há apenas uma consciência do ser. Nem mesmo o fato de estar entre os seres coexistentes. Nem mesmo de ser entre seres coexistentes. Mas de ser inter-essencial, interpelado, preocupado, competente. Na raiz de nossa abordagem está essa provocação manifesta de fenômenos manifestos, dos quais não podemos escapar.

E eis que com efeito a gente tem inter-esse, se inter-roga: “Onde está o ser de fato? Em que ele reside? Essa é a forma que a pergunta necessariamente assume quando é formulada; ela se move em direção a uma realidade, é informada pela realidade. Sendo o ponto de partida o que é, o ego-ligado compreende — carrega em si — a existência de um eco; nada mais é dito, ego-eco, do que a certeza de algo que seu logos confere, refere e confronta. Tudo o que resta é levar em conta esse eco, decantá-lo, tornar-se mestre dessa ressonância. Levar em conta o que é real, distinto do fenômeno puramente acústico; denunciar a aparência ilusória, enfim, fixar as incidências autênticas dessa sonoridade existencial. Ouvir, nesse concerto de coexistências, cada voz por seu valor, isolá-la de ouvido, situar sua importância, não se deixar contar por uma audição global e confusa, nem se distrair pelo que, seja ramagem ou plumagem ou caráter, velaria o essencial. Perceber, nesse burburinho da existência, o que se revela como inteligível ou constitutivo; discernir, enfim, o que essa devassidão de existências multiformes pode realmente significar na orquestração deste mundo.