É fácil depreender que as coisas se dão assim devido ao modo como caracterizamos o rigor (Strenge): a saber, o modo como pode ser conquistado e determinado o conhecimento (Erkenntnis) adequado ao objeto. Rigor é consequentemente um determinado caráter da apropriação referente à adequação do objeto do conhecimento. Essa adequação (Angemessenheit) do conhecimento está apreendida na definição escolástica de verdade: Adaequatio intellectus ad rem.
Rigor é o modo de conquista da verdade (Modus der Wahrheitsgewinnung). Portanto, ele só tem sentido e função no interior da ciência, uma vez que essa tem por meta a apreensão da verdade. Pesquisa e doutrina científicas são conhecimento investigador, um modo determinado do buscar, encontrar, manter, comunicar a verdade, bem como do apropriar-se dela (bestimmte Art des Suchens, Findens, Zueignens, Behaltene, Mitteilens von Wahrheit).
A caracterização da ciência como um determinado tipo de conhecimento, de uma determinada forma de tomar a verdade como meta é por fim incontestável, mas, ao mesmo tempo, nada diz em meio a essa generalidade. Tudo dependerá de como conhecimento e verdade forem de fato tomados e de onde é procurada a peculiaridade específica do conhecimento científico e da verdade científica.
Com o cumprimento dessas tarefas encontramo-nos na encruzilhada em que se decide se iremos tocar a essência da ciência ou se essa está irremediavelmente perdida — e isso de tal modo que essa perda ainda continue trazendo consigo a aparência da verdade. Pois, se em geral a ciência é estabelecida como conhecimento e verdade, então o essencial parece assegurado; sobretudo porque, em um aspecto, vigora um amplo consenso quanto ao que é a verdade, a saber, quanto à opinião de que a verdade é algo que, como propriedade (Eigenschaft), seria primariamente inerente ao enunciado, ao juízo (Urteil).
(HEIDEGGER, Martin. Introdução à Filosofia. Tr. Marco Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2008)