Naturalmente, o desenvolvimento de estruturas corporais da personalidade a partir da esfera intercorporal primeva não é desprovida de quebras. Ele também encerra o que se poderia chamar de incorporações, isto é, sobre-formações da corporeidade primária pelas posturas ou (60) papéis alheios. Isto acontece com frequência na imitação ou identificação corporal involuntária. Mesmo junto ao adulto pode-se observar como é que subordinados se apropriam de elementos com frequência inconscientes da mímica e do gestual de seus superiores como suas posições. Por meio da identificação mimética com outros, porém, crianças pequenas já assumem, por exemplo, em suas brincadeiras, posturas e papéis até as raias do papel sexual, incorporando-os. O corpo obtém com isto um lado exterior; ele se toma corpo-para-os-outros e portador de um simbolismo social, seja na pose voluntariamente assumida, na vestimenta, nas joias ou na cosmética. Aprende-se a representar, mas também a se esconder, a desempenhar um papel e a bloquear a expressão espontânea.
Pertence à estrutura antropológica da corporeidade, que ela possa se apropriar por si mesma de seu aspecto social e de seu aspecto externo e transformá-los em sua “segunda natureza”. A “educação” ou a sobreformação cultural do corpo, que lhe intermedeia um hábito, um “jeito” e um “comportamento” determinados, entra na memória corporal. Essas posturas interiorizadas servem em última instância para bloquear impulsos corporais espontâneos e se encontram, portanto, a serviço do disciplinamento social. Norbert Elias (1977) mostrou a partir de exemplos históricos, como é que o corpo, no processo civilizatório, foi cada vez mais submetido a uma formação de postura e movimento, a fim de elevar o controle dos impulsos e dos afetos. As coisas se mostram na maioria das vezes de maneira clara e semelhante na anamnese biográfica de personalidades obsessivas hoje, na medida em que a fixação rígida de posturas corporais, a repressão da respiração abdominal e o bloqueio da atividade motora expressiva desde a infância servem como meio de autocontrole em face de impulsos indesejados ou ameaçadores.
FUCHS, Thomas. Para uma psiquiatria fenomenológica: Ensaios e conferências sobre as bases antropológicas da doença psíquica, memória corporal e si mesmo ecológico. Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2018