Gilvan Fogel (2024:73-74) – Valor (Wert)

1. Deixando de lado o rigor das datas ou a precisão do calendário historiográfico, mais ou menos a partir da segunda metade do século dezenove, entrando pelo vinte adentro e afora, valor passa a frequentar a história da filosofia e a nos solicitar a toda hora. Há até quem faça remontar a noção de valor a Platão — idéa seria valor! Começa, então, a surgir uma axiologia, uma teoria ou filosofia dos valores, em certos meios, também denominada estimativa, em cujo horizonte ser, ser verdadeiro, dizem, de modo geral, passa a ser equiparado a valor. Equiparado, equi-valente, isto é, passa a corresponder a valor ou valer igual a valor!

Ainda de modo geral, as diversas teorias ou concepções de valor (Lotze, Brentano, Meinong, Rickert, também N. Hartman e mesmo a fenomenologia de M. Scheler) crescem e se fazem sob o fundo, explícito ou não, da metafísica moderna da subjetividade ou da autonomia da consciência. Assim sendo, explicitamente ou não, tais teorias ou tais concepções de valor trazem à tona esta fundação, a saber, a subjetividade autônoma, e então, por esta via, tais teorias de valor assumem perfis subjetivistas (transcendentais ou não), psicologicistas, antropocêntricos ou antropomórficos. Caricaturando: de um lado, do lado de cá, tem-se o sujeito que valoriza, ou seja, o valor; do outro lado, do lado de lá, a coisa, o objeto valorado, o real, ao qual o valor adere, isto é, se cola, se acrescenta, se soma. Daí vem, virá o direito de se falar, por um lado, de juízo de valor e, por outro, de juízo de existência ou de realidade. Ou seja, valor é, seria coisa criada, posta e proposta pelo homem, pela subjetividade humana, [73] ou alguma outra entidade, natural ou supranatural (a cultura, p. ex.), que então é anexada às coisas, ao real, o qual é visto, subentendido como um algo em si, objetivo, como uma objetividade ou uma coisidade paralela à autonomia do sujeito. Ou seria o contrário, quer dizer, teriam os valores uma realidade (um valor!) em si e as coisas, isso que se chama, às vezes, ser das coisas, do real, se fundaria nestes valores em si?! O fato é que, de qualquer modo, continuaria a predominação de dois planos, de dois estratos — o do valor ou valores e o da coisa, das coisas ou do real, da realidade em si, objetiva. Tudo se faria, se daria como uma relação binária ou biunívoca entre real, coisa, objeto e (+) valor. Em última instância, prevalece, prevalecería sempre a pré-compreensão que hoje, a toda hora, nos é instilada, no grito ou no sussurro, pela boca de nossos empresários, homens de negócio, de propaganda, de venda e de marketing, que, quando querem nos enfiar alguma bugiganga goela abaixo, nos falam doce e candidamente de valor agregado. Isso é a pedra de toque do tempo e da hora, com a qual se quer dourar toda pílula, tornar palatável toda e qualquer pedra ou osso indigesto. Valor é, seria coisa agregada, isto é, somada, acrescentada às coisas, ao real. Anexada, aderida — um encosto!? De modo geral, habitualmente, com pequenas nuances, variações e sutilezas lógico-dialéticas ou intelectuais — enfim, habitualmente entende-se e subentende-se valor de acordo com o esquema acima caricaturado. Bem, mas encosto é coisa para se tirar… Oxe! Saravá!!

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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