Fink (2016:1.1) – O jogo do mundo não é um fenômeno

tradução

No entanto, enquanto o jogo humano é reconhecido como um fenómeno, o jogo cósmico nunca é encontrado e corroborado como uma ocorrência objetivamente presente e intersubjectivamente identificável. O jogo do mundo não é um fenómeno. Não se pode apontá-lo ou torná-lo objeto de um método científico de investigação. É inicialmente um pensamento e nada mais. Mas o que é um “pensamento” continua a ser um problema repleto de questões. Será um pensamento algo meramente “imaginado”, um fantasma, algo que a nossa alma sonhou — uma representação que não corresponde a nada de real? Ou será que o poder do pensamento atinge mais profundamente a essência do Ser do que a representação sensorial, na qual as chamadas “coisas reais” se manifestam para nós? A “ideia” de Platão não pode ser determinada pela visão, audição, paladar ou olfato — e no entanto conta para ele como “tendo mais ser (seiender)”, como mais forte no seu Ser do que as coisas sensíveis. É apenas o pensamento como apreensão genuína que está associado à ideia platónica. As ideias platónicas também não são fenómenos. É claro que não se pode simplesmente inverter a situação e sustentar que tudo o que não se anuncia de forma identificável como fenómeno é uma atualidade de categoria superior; pois abrir-se-ia assim a porta ao fanatismo mais selvagem e perder-se-ia o rigor do conceito filosófico. Ora, para “interpretar (deuten)” o movimento total da atualidade do mundo em analogia com o jogo humano, poder-se-ia talvez dizer que o conceito de “jogo do mundo” significa antes de mais um símbolo especulativo. Tratar-se-ia de uma “transferência” de estruturas pertencentes a uma encenação específica da vida humana para o todo mundano de todos os seres, uma questão de meta-pherein, uma metáfora — de facto, uma questão de correspondência entre um ser interior do mundo e o próprio mundo. Esta “transferência”, poder-se-ia dizer, tem a sua base no fenómeno do jogo, que é, de facto, uma realidade humana — o pensamento filosófico salta desta base quando tenta pensar todo o movimento do mundo a partir do conceito de jogo; num tal salto, tem necessariamente de mudar e transformar-se, se se tornar expressamente consciente da diferença entre uma coisa do mundo interior e o próprio mundo. A elaboração diferenciada das estruturas fenoménicas do jogo humano surge então como a tarefa mais urgente, enquanto a análise da questão de saber se o conceito de jogo pode ser transferido numa analogia simbólica para o acontecimento do mundo — e até que ponto uma tal metáfora tem valor para o conhecimento filosófico — surge então como uma questão subordinada. O argumento do “senso comum”, que, com a sua saúde de bochechas rechonchudas, se move com a diferença entre coisa e mundo como um estado de coisas evidente, é mais ou menos assim. No entanto, talvez aqui não se trate apenas da diferença entre coisa e mundo, mas ao mesmo tempo da questão de como uma coisa peculiar do mundo interior, o ser humano que compreende o Ser, se relaciona com o mundo-totalidade. No fim de contas, nada se consegue distinguindo o jogo humano e o jogo do mundo, um designado como fenómeno, o outro como pensamento especulativo. A relação-mundo da existência humana não é um assunto já previamente conhecido e apurado de modo a podermos aplicar a distinção entre o ser humano e o mundo, por assim dizer, ao jogo. É antes o contrário. Numa discussão sobre o jogo talvez consigamos os recursos conceptuais para pensar e conceber primordialmente a diferença e a pertença conjunta do ser humano e do mundo.

Original

However, while human play is recognized as a phenomenon, cosmic play is never encountered and corroborated as an objectively present and intersubjectively identifiable occurrence. World-play is no phenomenon. One cannot point it out or make it the object of a scientific method of research. It is initially a thought and nothing more. But just what a “thought” is remains itself a problem rife with questions. Is a thought something merely “imagined,” a phantasm, something our soul has dreamed up—a representation that does not correspond to anything actual? Or does the power of thought reach deeper into the essence of Being than sensuous representation, in which so-called “actual things” evince themselves to us? Plato’s “idea” cannot be ascertained by seeing, hearing, tasting, or smelling—and yet it counts for him as “having more being (seiender),” as stronger in its Being than sensible things. It is only thinking as genuine apprehension that is associated with the Platonic idea. Platonic ideas, too, are not phenomena. Of course one may not simply invert the situation and maintain that everything that does not identifiably announce itself as a phenomenon is an actuality of higher rank; for one would thereby open the door to the wildest fanaticism and lose the rigor of the philosophical concept. Now, in order to “interpret (deuten)” the total movement of the world’s actuality in analogy to human play, one could perhaps say that the concept of a “world-play” primarily signifies a speculative symbol. It would be a matter of a “transference” of structures belonging to a specific enactment of human life to the worlded whole of all beings, a matter of a meta-pherein, a metaphor—indeed a matter of a correspondence between an innerworldly being and the world itself. This “transference,” one might say, has its basis in the phenomenon of play, which is indeed a human reality—philosophical thought leaps from this basis when it attempts to think the whole movement of the world from the concept of play; in such a leap it must necessarily change and transform itself, if it becomes at all expressly conscious of the difference between an innerworldly thing and the world itself. The differentiated elaboration of the phenomenal structures of human play then appears as the most urgent task, while the examination of the question whether the concept of play can be transferred in a symbolic analogy to the happening of the world—and to what extent such a metaphor at all has value for philosophical knowledge—then appears as a subordinate matter. The argument of “common sense,” which, with its chubby-cheeked health, moves about with the difference between thing and world as with a self-evident state of affairs, runs something like this. However, perhaps here it hinges not only on the difference between thing and world but at the same time on the question as to how a peculiar innerworldly thing, the human being who understands Being, relates to the world-totality. In the end, nothing is accomplished by our distinguishing human play and world-play, the one designated as a phenomenon, the other as a speculative thought. The world-relation of human existence is not an affair that is already previously known and ascertained in such a way that we could apply the distinction between the human being and the world, as it were, to play. It is rather the converse. In a discussion of play we perhaps achieve the conceptual resources to think and conceive primordially the difference and belonging together of the human being and the world.