Tem-se mais uma vez presente que, com aquilo que a cada vez lidamos, sempre há uma conexão (Zusammenhang) com o que não lidamos e, justamente por isso, é possível dizer que, no mundo, somos de modos determinados, mas que nessa determinidade também está em jogo uma indeterminidade: àquilo que deixamos sossegado nunca pode receber plenamente a nossa atenção. Existem infinitos modos determinados, sobretudo por que há muitas possibilidades, e não damos atenção à mesma coisa segundo pontos de vista diversos; não lidamos com infinitos pontos de vista. Considerado dessa maneira, o espaço livre do mundo que experimentamos, na medida em que damos atenção a elementos determinados, é o indeterminado e o inexpresso. Se isso fosse diferente não poderiamos de modo algum ter dado atenção a algo próprio, “descobrir” (algo) como determinado. Mas já que assim, como somos, somos no mundo, não somos apenas determinados, mas também somos nós mesmos indeterminados. A indeterminidade do mundo é nossa indeterminidade própria; e como o mundo é o espaço livre de nossa ação, a indeterminidade do mundo constitui a nossa liberdade. Ao tornar compreensível a liberdade da ação e o livre-arbítrio em sua conexão, Heidegger elaborou na análise existencial de Ser e tempo um conceito de liberdade que é superior ao conceito de liberdade de ação (Aristóteles) e do que o conceito de livre-arbítrio (Kant), na medida em que torna pela primeira vez compreensível o conceito de liberdade de ação e o conceito de livre-arbítrio em sua conexão.
(FIGAL, Günter. Introdução a Martin Heidegger. Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2016, p. 63)