J.-P. Sartre, Esquisse d’une théorie des émotions, Hermann, 1939, p. 3-6.
“A psicologia é uma disciplina que se pretende positiva, ou seja, que retira os seus recursos exclusivamente da experiência. Já não estamos certamente no tempo dos associacionistas, e os psicólogos contemporâneos não são avessos à interrogação e à interpretação. Mas eles querem estar diante do seu objeto da mesma forma que um físico está diante do seu. O conceito de experiência tem de ser limitado na psicologia contemporânea, porque pode haver muitos tipos diferentes de experiência e, por exemplo, podemos ter de decidir se há ou não uma experiência de essências ou valores ou uma experiência religiosa. O psicólogo pretende utilizar apenas dois tipos bem definidos de experiência: a que é proporcionada pela perceção espácio-temporal dos corpos organizados e o conhecimento intuitivo de nós próprios a que chamamos experiência reflexiva. Se há debates metodológicos entre os psicólogos, eles dizem respeito unicamente ao seguinte problema: estes dois tipos de informação são complementares? um deve ser subordinado ao outro? ou um dos dois deve ser resolutamente descartado?
… Mas o psicólogo não se compromete: não sabe se a noção de homem não é arbitrária. Pode ser demasiado ampla: não há nada que diga que o primitivo australiano pode ser colocado na mesma classe psicológica que o trabalhador americano de 1939. Pode ser demasiado estreita: nada diz que um abismo separa os macacos superiores de uma criatura humana… Considerará que este carácter do homem lhe deve ser conferido a posteriori e que, enquanto membro desta classe, não pode ser um objeto privilegiado de estudo, a não ser por conveniência de experiências. Aprenderá, portanto, com os outros que é um homem, e a sua natureza de homem não lhe será revelada de forma particular, sob o pretexto de que ele próprio é o que estuda. A introspeção aqui, tal como a experimentação ali, apenas fornecerá factos. Se vier a existir mais tarde um conceito rigoroso do homem – e mesmo isso é duvidoso – esse conceito só pode ser encarado como o coroamento de uma ciência que se completou, o que significa que é adiado indefinidamente… Por outras palavras, a ideia de homem, se alguma vez assumir um significado positivo, não será mais do que uma conjetura destinada a estabelecer ligações entre materiais díspares, e que apenas retirará a sua plausibilidade do seu sucesso… Assim, a ideia de homem só pode ser a soma dos factos observados que ela permite unir.
…Esperar o facto é, por definição, esperar o isolado; é preferir, pelo positivismo, o acidental ao essencial, o contingente ao necessário, a desordem à ordem; é rejeitar, por princípio, o essencial no futuro: “isso é para mais tarde, quando tivermos reunido factos suficientes”. Os psicólogos não se apercebem de que é tão impossível chegar à essência acumulando acidentes como chegar à unidade acrescentando indefinidamente números à direita de 0,99… O objetivo das ciências naturais não é compreender o mundo, mas compreender as condições de possibilidade de certos fenómenos gerais. No entanto, o homem é um ser do mesmo tipo que o mundo, e é mesmo possível, como acredita Heidegger, que as noções de mundo e de realidade humana (Dasein) sejam inseparáveis. Precisamente por esta razão, a psicologia deve resignar-se à falta da realidade humana, se pelo menos esta realidade humana existir.