Fédier (2013:34-37) – verstehen – entendre – entender – compreender

nossa tradução

Então como tomar este termo: entender (entendre)? Certamente como nossa maneira, a nós que falamos línguas latinas, de verter o Verstehen alemão. Ainda é preciso ser fiel à acepção elementar desta palavra, e medir em que entender responde bem a Verstehen.

Entender, em francês, é atestado desde o século XI, onde ele permite já dizer: como ser atento à algo que nos concerne. Entender com efeito não tem a princípio a acepção de escutar, de dar ouvidos, mas ainda mais aquela do latim: intelligere — com uma nuance suplementar: aquela de estar tencionado face ao que entendemos apreender, e mesmo, se posso dizer: de estar posto em tensão a partir disso que entendemos apreender.

É bem esta nuance que aparenta nosso entendimento ao Verstehen alemão. Neste último com efeito, é o radical stehen (estar de pé e se manter aí onde a gente se mantém) que dá seu verdadeiro acento à palavra alemã. Como o compreender? Façamos um desvio pelo domínio inglês, onde “entender” se diz understand. Uma célebre anedota relata que Dionísio de Siracusa, para fazer entender a Dâmocles que a vida do Tirano não é uma sucessão de delícias, fez suspender em cima de sua cabeça durante um banquete uma espada desembainhada, pendurada a uma crina de cavalo! Esta anedota nos põe diretamente a ponto de compreender o que pode querer dizer understand: ser e dever permanecer sob o impacto disto que vos põe em perigo, sem que tenhais o direito de abandonar, que digo eu: de fugires longe desta ameaça. Cada um de nós, bastando se figurar em lugar de Dâmocles, pode quase fisicamente fazer a experiência disto que understand pode implicar, em entendendo a fundo o que isso significa: tremer por sua vida.

Eis o que sem dúvida dará se necessário algum relevo à notação que se encontra no início do parágrafo §31 (art38) de Ser e Tempo. Heidegger aí anota: “Verstehen ist immer gestimmtes.” A impecável tradução de François Vezin dá em francês: “Entendre est inséparable de vibrer” (Entender é inseparável de vibrar). Dito de outro modo: impossível entender o que quer que seja sem que, em nosso próprio corpo, se despertem harmônicos que entram em ressonância com este entendimento.

As línguas latinas conservam algo desta correspondência elementar: nosso verbo para a culminação do entendimento (entente) — o verbo savoir (saber) — só demanda que lembremos disto, que nenhum saber é inteiramente destacado de um certo saveur (sabor), ficando bem entendido que o espectro de sabores se estende do amargo mais repulsivo à melodiosa doçura do mel, sem esquecer a aparente indiferença do imperceptível, por exemplo, a água — incolor, inodora e sem sabor (como aprendemos nos bancos da escola) — a água que Píndaro sabia no entanto ainda saudar, no primeiro verso da primeira Ode Victoriale, como ariston men hydor… (“Primeiro é a Água…”. Cito na tradução de Jean-Paul Savignac: Pindare Oeuvres complètes, la Différence, Paris, 1990.)

O entendimento (entente) é assim intimamente ligado ao que a tradição não é até aqui apta a referir senão como “afetividade” — mas que é muito mais que isso, na medida que isso não somos — muito é preciso — somente passivos. Pois não há em nós algo (por exemplo uma “substância”) que seria por conta “afetada”. Cada um de nós é sempre já um: precisamente a título de gestimmtes Verstehen. Entender é inseparável de vibrar. Esta união com efeito — seria preciso até dizer: este uníssono primeiro — é a assinatura disto que Heidegger denomina no livro mestre de 1927 um “existencial”.

Original

  1. « Première est l’Eau… ». Je cite la traduction de Jean-Paul Savignac : Pindare Œuvres complètes, La Différence, Paris, 1990.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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