(…) o Mundo mostra que é, por definição, a e-vocação de uma atmosfera (Stimmung) que desde sempre concedeu realidade humana ao dizer silencioso que leva ao falar, ao ex-plicar, ao ex-plicitar.
Escutemos o que “O que é a Metafísica?” (GA9) nos diz a este respeito:
“Uma tal conformidade (Gestimmtsein), na qual ‘vivemos’ (“ist”) de um modo ou de outro — na medida em que nos diz respeito (durchstimmt) —, situa-nos no conjunto do que é. Esta conformidade não elimina, no entanto, a possibilidade de uma relação com o que é. No entanto, esta conformidade não nos dispõe (die Befindlichkeit) de cada vez num determinado desvelamento dentro do todo do que é; está longe de ser um mero acidente, mas este desvelamento revela o acontecimento fundamental em que a nossa realidade humana ocorre.” (GA9:WhM:8)
A realidade do Mundo deve, pois, chamar-se “die Stimmung”, “Ressonância”. No entanto, não se trata de uma ressonância “em si”: há apenas ressonância para a realidade humana que se abre a ela em seu “ex-sistir”. Porque esta ressonância que é o Espaço Mundial na sua realidade está em profunda concordância com a realidade humana que constitui, podemos chamar autenticamente a esta ressonância que sintoniza “Stimmung”, “Sintonia”. Do mesmo modo, podemos chamar autenticamente “die Befindlichkeit” “sintonização”, na medida em que esta palavra exprime o acorde fundamental da realidade humana com a realidade ressonante do Mundo. “Sintonia” diz o Fundo do Ser, e este fundo chama-se “Stimmung” do ponto de vista da realidade do Mundo ou “Befindlichkeit” do ponto de vista da realidade humana.
Em “Ser e Tempo” afirma-se:
“Em virtude da sua sintonização (Befindlichkeit), a realidade humana é sempre já trazida à presença de si mesma; ela (es) sempre já se experimentou a si mesma, não na medida em que se perceberia como subsistente, mas na medida em que se sente disposta naquilo e por aquilo que sintoniza.” (SZ:135)
Chegamos assim a uma definição vibratória do Ser para Heidegger. O Ser como “sintonia” é “o que” faz o Mundo em sua realidade, assim como é “o que” faz o homem em sua realidade. Esta definição vibratória do Ser como sintonia exclui, portanto, qualquer definição simplesmente substancial do Mundo e do homem. A “substancialidade” é apenas o reconhecimento de uma perenidade estática que subsistiria “por baixo” das mudanças e movimentos acidentais do mundo sensível ou das qualidades inteligíveis no homem. A linguagem “substancial” como linguagem estática exprime uma visão ossificada do Ser. É uma petrificação do Ser. “Substantia”, além disso, traduz apenas pela metade o grego ‘ousia’, que foi expresso em latim como ‘essentia’ e ‘substantia’. Ora, o que constitui precisamente o princípio de inteligibilidade (47) (essentia) do que é (ousia) não é a simples subsistência de uma perenidade atonal. A essentia do que permanece (substantia) é aquela ressonância vibratória que torna o Ser do Mundo, a Radiância do Mundo, a Palavra do Mundo, “Aquilo” que se sintoniza com a realidade humana revelando a sua origem oculta. O termo “ousia” deve, portanto, ser preferido à sua forma latina, e “ousia” deve ser traduzido como “sintonização”, ou seja, a Ressonância da Vida que se sintoniza na vibração da sua pura produção.
A “sintonização” que é a ousia do Ser constitui assim um a priori existencial na medida em que é “isso”, esta qualidade vibratória do Ser, que faz com que o Jogo do Mundo e do Homem seja. A partir de então, todo o pensamento teórico só pode ser secundário em relação à pura produção do Isso e, por conseguinte, secundário em relação a qualquer esforço de compreensão relacional que esse pensamento teórico possa procurar fazer do Mundo ou do Homem.
Antes de mais, resta “aquilo que ‘concorda’: a Vibração da Vida do Ser.
O ponto de vista do pensamento teórico macula imediatamente o mundo, reduzindo-o à uniformidade da pura subsistência… No entanto, a mais pura ‘theoria’ não pode ignorar toda a concordância vivida (Stimmung).” (SZ:138)
Ainda que na “De uma conversa sobre a linguagem…” (GA12), Heidegger se lembre de ter dedicado “Ser e Tempo” a Husserl, podemos ver que o clima (Stimmung) não é muito husserliano, e que o livro é muito mais dedicado à fenomenologia, isto é, ao “que” se mostra na realidade que acomete o Mundo e o homem. Esta sintonização fundamental que revela a qualidade vibratória do Ser está bem expressa nestas palavras do “Princípio da Razão”:
“Para ouvir o que não tem voz, é necessário um ouvido que cada um de nós possui, mas que ninguém sabe utilizar bem. Esta audição (Gehör) depende não só do ouvido, mas também da pertença do homem (Zugehörigkeit) àquilo com que o seu ser está sintonizado. O homem permanece então sintonizado (gestimmt) com o Lugar do qual recebe o que ressoa (bestimmt): é então alcançado e chamado por uma voz cuja ressonância é tanto mais pura quanto mais silenciosamente passa através do ruído das palavras.” (GA10:129)
Exercitar a audição, o terceiro ouvido, como diria Nietzsche, para voltar a ouvir o solo do Ser, para voltar a sintonizar-se com a qualidade vibratória do Ser, é o objetivo iniciático que polariza os esforços da meditação em espiral dos pensadores.
No entanto, duas condições parecem travar a possibilidade de um tal acordo: a multiplicidade das línguas e a concepção filosófica que temos da sua natureza no Ocidente. Antes de nos debruçarmos mais explicitamente sobre o que a sintonização da linguagem revela, é necessário clarificar estes possíveis impasses.