Dufour-Kowalska (1980:54-55) – afetividade

Afetar-se imediatamente é fazer experiência de si mesmo. Mas experimentar-se desta forma, sem o intermédio dos sentidos, é o que significa a afetividade na pureza do seu conceito. A afetividade surge no coração do conceito de auto-afetar-se como o seu significado concreto. Ela representa, como diz M. Henry, a “efetivação” fenomenologicamente concreta de auto-afetar-se, da recepção interna da essência, isto é, da sua revelação imanente. A afetividade é o próprio conceito desta revelação, ou seja, o que permite apreendê-la como aquilo que ela é, na sua essência. “A afetividade”, escreve M. Henry, “é a essência original da revelação” (MHEM, p. 578), a essência na sua própria essência. Esta afirmação leva-nos ao coração da ontologia fenomenológica de Henry, e quase ao fim da problemática da essência da manifestação. A afetividade fornece a Henry o conceito perfeito ou adequado de uma experiência absolutamente adequada ou perfeita, ou seja, o próprio conceito do seu objeto de investigação, na medida em que a essência da manifestação significa a manifestação de si para si, a revelação absoluta na sua efetividade concreta e, consequentemente, a experiência absoluta. O conceito de afetividade é perfeito porque o seu conteúdo é imediatamente dado como um conteúdo concreto. A experiência que ele representa é perfeita porque é efectiva em toda a sua extensão, constitutiva de uma realidade plena. Na interioridade pura e sem espaço em que se produz, o sentimento de si, o “sentir-se a si mesmo” que constitui a afetividade, não pode conter qualquer falta, é desprovido de qualquer necessidade, ignora o possível. A experiência constitutiva da afetividade reduz toda a distância ontológica, porque a sua realidade é só real e só eu. Do mesmo modo, no seu conceito e como seu objeto, tende a reduzir todo o espaço ideal, toda a distância lógica. O pensamento da afetividade, o pensamento do “sentir-se a si mesmo”, não designa uma operação possível, mas coloca-a como imediatamente real. Assim, não pode haver compreensão da afetividade sem a sua realização efectiva pela mente que a pensa, e que não a pode pensar sem se assimilar a ela e nela ultrapassar o pensamento.

Qual é a base da perfeição da experiência concebida pelo Sr. Henry? Quais são as condições da sua efetivação como uma efetivação perfeita? São as suas próprias estruturas, a unidade e a imanência. O fato de a unidade e a imanência determinarem a manifestação do ser (55) e constituírem as estruturas da sua revelação é o que aparece aqui em plena luz. Não há experiência perfeitamente adequada senão na identidade da forma e do conteúdo. Ora, esta identidade — a menos que seja, como diz M. Henry, a identidade morta da tautologia — só é possível através da imanência. Só na interioridade se consegue a verdadeira unidade viva, a união do mesmo com o eu. Se a imanência e a unidade fornecem as condições estruturais para uma experiência perfeitamente adequada, para a experiência absoluta, a afetividade constitui a sua realização concreta. É apenas no conceito de afetividade, e no “sentir-se a si mesmo” que ele significa, que a experiência adequada, a experiência do Uno, o Uno na sua própria experiência, vem à luz na sua efetividade fenomenológica, isto é, indivisivelmente na sua realidade e no modo desta realidade. Se juntarmos agora estas duas determinações da essência da revelação pela imanência e pela unidade, por um lado, e pela afetividade, por outro, obtemos o conceito de afetar-se imanente, isto é, um afetar-se que se dá imediatamente, sem a intervenção de um elemento estranho, e que, como tal, é a sua pura efetivação. A pura efetivação significa aqui tanto a realização da afetividade pura como a pura realização da afetividade. M. Henry não exprime outra coisa quando escreve: “É isto que constitui a essência do sentimento, a essência da afetividade enquanto tal: sentir-se a si mesmo, de tal modo que o sentimento não é algo que se sente a si mesmo, este ou aquele sentimento, este ou aquele, mas precisamente o fato de se sentir a si mesmo considerado em si mesmo na efetividade da sua efetivação fenomenológica, isto é, na sua realidade” (MHEM:578). Na filosofia de Henry, a afetividade, a realização do “sentir-se a si mesmo”, representa o conceito de ato absoluto do ser, e permite-nos concebê-lo na sua absoluta unidade e unicidade, na sua pureza e plenitude.