Dufour-Kowalska (1980:36-38) – essência

Para a filosofia da consciência, o momento da determinação (37) é essencial para a realização da essência: o ser-em-si só alcança o para-si através da mediação de formas definidas; o aparecer absoluto só se realiza na aparência através da multiplicidade e diversidade dos seus modos de aparecer. No entanto, este processo de determinação implica necessariamente a alienação da essência: nas formas que a realizam, a essência só pode ser encontrada perdendo-se a si mesma, sacrificando a unidade indefinida do seu próprio ser à pluralidade e finitude das suas expressões. Por um lado, a essência deve objetivar-se para que a sua manifestação se torne efetiva, mas, por outro lado, os objetos que a manifestam não a podem conter, permanecem sempre inadequados a ela. “É a condição da consciência”, declara Schelling, “que esta atividade primitiva e infinita, esta essência de toda a realidade, se torne o seu próprio objeto, se torne consequentemente definida e limitada” 1. A fraqueza da filosofia da consciência não reside apenas na sua incapacidade de apreender a essência da manifestação, mas mais profundamente na razão desta incapacidade. Ela deriva de uma confusão na concepção da objetividade, da ambiguidade do conceito de objeto nesta filosofia.

O objeto que realiza a efetividade da fenomenalidade não é senão o ser determinado e finito, o “que” aparece e que torna efetivo o puro aparecer, em si mesmo indeterminado. Ora, para M. Henry, esta dependência do elemento ontológico em relação ao elemento ôntico contém de fato um absurdo. De fato, como é que a aparência pode realizar o aparecer, se ela não é precisamente já uma aparência, isto é, se o poder ontológico da manifestação não tivesse realizado nela o seu trabalho? A objetividade de que depende a eficácia da manifestação pressupõe um poder que a realize como tal, isto é, que dê ao ser acesso à forma de objeto. No conceito de objeto devemos, pois, distinguir entre o poder de objetivação ou o elemento ontológico que torna possível a aparição do ente, e este ente ele mesmo, o elemento ôntico que é o que se manifesta na forma objetiva. Ora, a finitude da essência da manifestação não resulta da finitude do ente em que ela se realiza: esta é apenas uma consequência da finitude essencial da potência que determina o ente como objeto para nós, a potência do horizonte, a transcendência. A partir daqui, verifica-se que a efetividade da fenomenalidade assenta no processo de objetivação, que ela nada deve ao ente, mas que é interior à essência da (38) manifestação e pertence à sua própria estrutura: a transcendência. Este é o primeiro resultado da reflexão crítica de M. Henry sobre a essência da fenomenalidade no quadro do monismo. Ela leva o filósofo a postular esta lei fundamental:

“O devir fenomenal é imanente à essência original e pura da fenomenalidade” (MHEM, 163). Esta lei presidirá doravante ao desenvolvimento da problemática; ela fornece o princípio para uma elucidação positiva da essência, e constitui já uma primeira determinação da mesma.

De fato, postular a imanência do devir fenomenal à essência da fenomenalidade, isto é, a sua realização em si mesma e como dependente apenas dela, é afirmar a autonomia da essência. A afirmação da autonomia da essência ocorre ainda dentro do monismo ontológico, e permitirá a M. Henry ir para além dele.

[DUFOUR-KOWALSKA, Gabrielle. Michel Henry. Un philosophe de la vie et de la praxis. Paris: Vrin, 1980]
  1. Système de l’idéalisme transcendantal, trad. P. Grimblot, Ladrange, Paris, 1842, p. 53, citado em MHEM, 140[]