Quando Fichte identifica a existência do ser com a representação, esta identificação tem um significado preciso: significa a identidade do processo que realiza a manifestação do ser com o processo de redobramento próprio da representação. Representar é tornar presente num representado. A representação é a própria essência da consciência, isto é, da manifestação do ser, da sua presença absoluta, porque o seu processo é o próprio processo pelo qual o ser, separando-se de si mesmo, opondo-se a si mesmo, aparece a si mesmo, alcança-se a si mesmo devindo para si mesmo. Longe de constituir um modo particular e contingente de consciência, a representação é a sua própria essência, “ela reina, como Heidegger diria mais tarde, sobre todos os modos de consciência” 1. A representação é a essência da presença; ela determina toda a presença como “a presença de algo”, diz M. Henry, “que surge diante de, num meio de exterioridade” (MHEM, 100, itálico nosso). No entanto, o que promove este espaço de manifestação, o que projeta o campo de presença, é o que definimos sob o conceito de sujeito, enquanto que o objeto é o que se dá nessa e através dessa operação. Consideremos o processo de representação através da oposição clássica entre sujeito e objeto.
O objeto só se torna o que é através da operação do sujeito que o coloca como tal, precisamente ao opor-se a ele. O objeto é constituído na sua relação com o sujeito, que é o trabalho do sujeito. Mas o sujeito não é nada fora desta relação, é o puro poder de oposição, o poder que institui o objeto. No processo de consciência descrito pela relação do sujeito com o objeto, a consciência não é o sujeito como realidade autônoma, distinta do ser do objeto, é a relação indivisível dos dois termos. Que o sujeito e o objeto são apenas elementos abstratos cuja unidade define por si só a essência concreta da consciência é, segundo M. Henry, uma afirmação constante da filosofia da consciência, desde o idealismo até aos nossos dias. “O ego da consciência”, diz Schelling, citado por Henry, “não é um sujeito puro, é ao mesmo tempo sujeito e objeto” 2, e Merleau-Ponty faz-lhe eco no nosso tempo quando declara: “o sujeito e o objeto aparecem como dois momentos abstratos de uma única estrutura (35) que é a presença” 3. A consciência não é o sujeito, ou melhor, ela só constitui o sujeito na medida em que este último é esta pura relação ao objeto que engendra o objeto enquanto tal. Mas o que significa este devir do objeto? Na objetividade, o ser ganha acesso à presença, à existência fenomenal. O significado ontológico do dualismo torna-se então claro: a consciência, ou o sujeito como relação ao objeto, é o ser do objeto, o fundamento da presença do ser, constitui o ser do ente. É isto que Sartre afirma explicitamente quando escreve: “O conhecente… não é outra coisa senão o que faz com que haja… uma presença” 4, de modo que a atividade conhecente se resolve no ser-aí que ela posta, e é de fato, como Sartre admiravelmente o exprime, “a pura solidão do conhecido” 5.
Na oposição entre sujeito e objeto esconde-se, de fato, a posição de uma única essência, a essência comum aos dois termos, e que, na forma da sua relação, constitui o fundamento de todos os fenômenos possíveis, a essência da manifestação. “O dualismo tradicional”, diz M. Henry, “é um monismo ontológico” (MHEM, 107).
- Holzwege (GA5), Klostermann, Frankfurt-am-Mein, 1950, p. 133, citado em MHEM, 100[↩]
- Système de l’idéalisme transcendantal, trad. P. Grimblot, Ladrange, Paris, 1842, p. 65, citado em MHEM, 104[↩]
- Phénoménologie de la perception, Gallimard, Paris, 1945, p. 492, citado em MHEM, 104[↩]
- L’Être et le Néant, Gallimard, Paris, 1943, p. 225, citado em MHEM, 106[↩]
- ld., p. 227, citado em MHEM, 106.[↩]