O possível tem sido, na filosofia moderna, sempre definido como inferior ao real e ao efetivo. É assim que, na lista das categorias kantianas, a possibilidade se opõe, enquanto categoria modal (isto é, no que concerne à relação do entendimento com a existência dos objetos), à realidade e à necessidade: o possível designa, consequentemente, o que não é ainda real e o que não é sempre necessário 1. Mas a possibilidade não é somente uma determinação categorial do objeto, ela tem também uma determinação do existir do próprio Dasein, o que Heidegger chama de um existencial 2, e, nessa qualidade, não é inferior à realidade, mas, ao contrário, mais “alta” que ela, já que constitui “a determinação ontológica positiva mais originária e última do Dasein”1. O Dasein não é, na verdade, uma “realidade” que dominaria além das medidas as “possibilidades” a serem desenvolvidas, seu ser é um poder-ser e é, então, primariamente, um ser-possível. Contudo, isso não quer, de forma alguma, dizer que ele é absolutamente livre para realizar suas escolhas, mas, ao contrário, que a contingência da existência na qual esteve sempre engajado deve ser assumida e que o Dasein está, desse modo, antes de tudo, “entregue” a seu próprio ser-possível, ou, no dizer de Sartre, “condenado a ser livre”. (2002, p. 77-78)